Nas primeiras horas de seu governo, Donald Trump faz o TikTok voltar ao ar, mas até que a empresa entre em acordo com seu governo para poder continuar funcionando nos Estados Unidos.
O TikTok, uma das redes sociais mais influentes e acessadas em todo o mundo, vivenciou um dos episódios mais críticos de sua trajetória nos Estados Unidos. Após uma decisão da Suprema Corte, que confirmou a validade de uma lei exigindo que a plataforma fosse vendida para uma empresa americana, suas operações no país foram temporariamente suspensas. Contudo, a retomada das atividades começou a ganhar força quando o presidente eleito Donald Trump, pouco antes de assumir o cargo, indicou a possibilidade de chegar a um acordo para garantir a continuidade da rede social no território americano. Essa reviravolta marcou mais um capítulo de um conflito geopolítico que envolve disputas comerciais, guerra tecnológica e o constante temor dos Estados Unidos diante do avanço da China no cenário global.
No centro dessa controvérsia, está o argumento de "segurança nacional", frequentemente utilizado pelos governos para justificar interferências no mercado e o estabelecimento de barreiras protecionistas. O TikTok, que é controlado pela empresa chinesa ByteDance, tornou-se o foco de uma disputa que transcende o simples domínio de uma plataforma digital. Trata-se de uma batalha de poder, onde os Estados Unidos buscam reafirmar sua hegemonia econômica e tecnológica em meio a uma crescente competição global.
Embora o discurso oficial enfatize a proteção dos dados dos usuários americanos, a situação é muito mais complexa. A preocupação do governo americano não está diretamente relacionada à coleta de informações – prática já consolidada por empresas como Google e Facebook, que há anos operam sem grandes restrições nesse aspecto. O verdadeiro problema, na visão de Washington, é que esses dados estão sob a administração de uma corporação estrangeira, e ainda por cima chinesa. Essa condição transforma o TikTok em um símbolo do crescente domínio chinês sobre setores-chave da economia digital, algo que o governo americano não está disposto a aceitar passivamente.
Esse conflito reflete uma postura protecionista que, embora camuflada por preocupações com a privacidade dos cidadãos, visa principalmente proteger os interesses estratégicos e econômicos dos Estados Unidos. A pressão para que a ByteDance venda o TikTok a uma empresa americana é uma tentativa clara de realocar o controle dessa poderosa plataforma digital dentro das fronteiras do país, fortalecendo, assim, sua influência sobre o mercado global. Afinal, na economia digital, quem controla os dados detém também o poder de moldar tendências, influenciar comportamentos e definir o futuro das interações online. E não podemos nos esquecer que na era da informação e da internet, boa parte das guerras entre governos ocorre no nível informacional e tecnológico, não necessariamente por meio de invasões militares. É como se fosse uma guerra fria entre poderosas potências como os Estados Unidos e a China, mas baseada em controle da informação e da tecnologia e pressões econômicas e não em mísseis.
Donald Trump, que em sua gestão anterior já havia tentado banir o TikTok sem sucesso, desta vez adotou uma abordagem diferente. Ele propôs um acordo que, segundo fontes, poderia envolver parcerias com investidores americanos, permitindo à ByteDance manter uma participação minoritária na operação. Essa solução, aparentemente conciliatória, pretende equilibrar as expectativas dos legisladores com os interesses comerciais, enquanto, na prática, o controle da plataforma seria transferido para empresas alinhadas com os Estados Unidos.
Essa situação escancara a interdependência entre política e economia, evidenciando como discursos relacionados à segurança frequentemente servem para justificar intervenções que atendem a interesses econômicos específicos. A legislação aprovada pelo Congresso americano, que exige a venda da plataforma, nada mais é do que uma tentativa indireta de estabelecer uma espécie de nacionalização controlada de uma das maiores plataformas digitais do mundo, sob a justificativa de proteger os cidadãos americanos.
Enquanto isso, os 170 milhões de usuários do TikTok nos Estados Unidos comemoraram o retorno do aplicativo horas após Trump assumir o governo, mas poucos se perguntaram sobre o custo real dessa "proteção". A criação de medidas tão restritivas estabelece precedentes preocupantes, nos quais empresas estrangeiras bem-sucedidas podem se tornar alvos de intervenções arbitrárias, caso seus interesses entrem em conflito com os objetivos políticos e econômicos de Washington. O caso do TikTok é mais um exemplo de como a competição global e a liberdade de mercado podem ser sacrificadas em nome de uma "segurança nacional" que, na prática, esconde motivações protecionistas e um jogo de poder sobre os dados dos cidadãos.
Diante dessa pressão, mas de uma postura conciliatória de Trump, a ByteDance reagiu rapidamente. A empresa agradeceu ao presidente eleito Donald Trump por fornecer a clareza necessária para a retomada das operações e anunciou que pretende trabalhar em uma solução de longo prazo que permita a continuidade da rede social nos Estados Unidos. Essa postura pública, no entanto, contrasta com os desafios que a empresa enfrenta nos bastidores.
Trump, conhecido por sua abordagem pragmática e focada em resultados, recorreu às redes sociais para anunciar a decisão de adiar a proibição do TikTok por meio de uma ordem executiva válida por 90 dias. Embora apresentada como um gesto de boa vontade, essa medida tinha objetivos claros: dar tempo para negociar termos mais favoráveis para os Estados Unidos e aumentar a pressão sobre a ByteDance. Essa estratégia colocou o governo americano em uma posição de controle, permitindo que Trump utilizasse a situação para reforçar sua imagem como um negociador firme, mas disposto ao diálogo.
Essa movimentação revela uma contradição profunda no discurso político americano sobre livre mercado e inovação. Embora o governo dos EUA promova frequentemente a competição global, quando uma empresa estrangeira ameaça a supremacia das gigantes locais, a resposta é erguer barreiras regulatórias que favoreçam as empresas americanas. No caso do TikTok, a justificativa da segurança nacional parece menos sobre proteger dados e mais sobre assegurar que o domínio econômico e tecnológico permaneça sob controle americano. Até porque, se o foco fosse apenas a segurança, transparência e proteção de dados do usuário, as mesmas medidas deveriam ter sido tomadas há anos atrás com empresas como a Meta, responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp.
O adiamento da decisão também serviu como um recado ao mercado: a administração de Trump está aberta à negociação, mas dentro de seus próprios termos. Enquanto isso, empresas como Meta e Google observam atentamente os desdobramentos, conscientes de que o TikTok representa uma ameaça direta à sua hegemonia no setor de redes sociais e publicidade digital. A verdadeira disputa, portanto, não é apenas sobre dados, mas sobre o fluxo bilionário de receitas que essa plataforma gera, e como esse grande capital pode ser usado para beneficiar e fortalecer empresas alinhadas aos interesses do governo americano.
Ao mesmo tempo, o TikTok adota uma estratégia cautelosa. Com uma base de milhões de usuários americanos, a empresa tenta usar sua popularidade como uma ferramenta de pressão para negociar uma solução que não envolva a venda completa de suas operações. Publicamente, a plataforma se posiciona como um espaço de expressão e entretenimento para jovens, buscando desviar o foco da complexidade geopolítica envolvida no caso. No entanto, a ByteDance está ciente de que esse é um jogo de alto risco, onde qualquer movimento errado pode resultar em prejuízos catastróficos.
Por enquanto, o futuro do TikTok nos Estados Unidos permanece incerto. A ordem executiva de Trump oferece apenas uma solução temporária para um problema que parece longe de ser resolvido. Caso a ByteDance não ceda às exigências americanas, novas ameaças e restrições poderão surgir, aumentando ainda mais a tensão entre os dois países. Por outro lado, o governo chinês também exerce pressão sobre a empresa para que ela continue independente da interferência americana. Esse caso destaca a crescente intervenção dos governos nas operações digitais e a forma como questões políticas moldam o mercado global, ainda mais num mundo totalmente digitalizado onde as pessoas vivem na internet.
Enquanto isso, Trump reforçou a ideia de que o futuro do TikTok depende da aprovação americana. Segundo ele, com o aval do governo, a plataforma pode valer centenas de bilhões de dólares – talvez até trilhões – mas, sem isso, sua permanência no mercado americano é inviável. A mensagem é direta: ou a ByteDance aceita os termos exigidos pelo estado americno e transfere parte do controle para os Estados Unidos, ou enfrenta o risco de ser excluída do mercado americano.
Enfim, o caso TikTok ilustra uma tendência maior: o crescente uso do poder estatal para moldar o mercado global e como as Big Techs podem atuar num país. Em um cenário onde a competição e a inovação deveriam prevalecer, os governos têm adotado discursos de segurança para proteger interesses próprios, sacrificando, muitas vezes, a liberdade econômica e a autonomia das empresas. Enquanto isso, o TikTok continua sendo uma peça central na disputa entre Estados Unidos e China, simbolizando a tensão entre o progresso tecnológico e as estratégias de controle geopolítico.
https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/google/amp/tecnologia/noticia/2025/01/20/trump-assina-ordem-executiva-tiktok.ghtml
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/bloqueio-do-tiktok-pode-criar-altas-tensoes-entre-eua-e-china-diz-analista/