Enquanto as democracias ocidentais fingem proteger a liberdade, regimes autoritários orientais refinam suas técnicas de silenciamento digital cada vez mais. O Brasil está liderando essa onda de repressão e censura na América do Sul, junto com a Venezuela.
Nada de novo sob o sol. Governos autoritários sempre buscaram controlar a narrativa, manipular informações e silenciar opositores. O que é novo — e assustador — é a sofisticação com que essa censura acontece na era digital. E pior ainda: agora até democracias progressistas estão adotando as mesmas táticas dos ditadores orientais, só que com roupagem mais elegante e discurso humanitário bem embalado. A censura na internet não é mais um problema distante de regimes claramente totalitários. Ela virou uma ferramenta global, abraçada por governos de todos os espectros ideológicos, indo desde a China comunista até democracias ocidentais como Inglaterra, Alemanha, Canadá, França e Brasil - países controlados por governos que fingem defender a liberdade de expressão.
E sabe qual é o vilão perfeito dessa história, segundo a grande mídia? Não é o governo, obviamente. É sempre “a segurança das crianças”, “a proteção contra a desinformação” ou “a tal moderação necessária”. São pretextos tão velhos quanto o próprio autoritarismo.
Vamos aos números, porque eles falam mais alto que qualquer discurso. Em 2024, a indústria da censura estatal atingiu proporções épicas, com 296 apagões de internet em 54 países. Conflito político, eleições, protestos — sempre há uma desculpa conveniente para desligar a internet e, de quebra, a liberdade de expressão das pessoas. Myanmar e Índia lideraram esse ranking nojento, com 85 e 84 apagões, respectivamente. O Iraque simplesmente desconectava a internet durante exames escolares. O Quênia bloqueava o Telegram nas mesmas situações — como se desligar a internet fosse a solução para colinhas em prova. Nada mais é do que autoritarismo disfarçado de pragmatismo.
(Sugestão de Pausa)
O custo dessa palhaçada é de tirar o fôlego. A economia global perdeu 7,69 bilhões de dólares em 2024 com esses apagões. E não estamos falando de economia abstrata, mas de gente que não consegue trabalhar, negócios que não funcionam, vidas que ficam em suspenso porque algum burocrata decidiu cumprir uma ordem. O Paquistão, sozinho, perdeu 1,62 bilhão de dólares neste ano de 2025. Sudão e Moçambique também foram devastados.
Mas aqui vem a parte mais perversa: enquanto as economias afundam, os governos não ligam para isso, pois o objetivo nunca foi econômico, e sim político — controlar a narrativa, impedir que as pessoas se comuniquem, silenciar a dissidência. Tudo em nome da segurança ou da ordem. Enquanto governos autoritários usam o machado da internet, as big techs usam a tesoura fina da moderação de conteúdo.
E não, não é bem diferente, não. Plataformas como X, Facebook, Instagram e YouTube recebem dezenas de milhares de pedidos de remoção de conteúdo de governos todos os anos. O X recebeu mais de 46 mil pedidos do Japão e mais de 9 mil da Turquia só no primeiro semestre de 2024. E o mais assustador? A empresa cumpriu entre 68% e 80% desses pedidos.
É interessante notar que, depois que Elon Musk assumiu o X e prometeu uma plataforma de liberdade de expressão, a taxa de compliance com pedidos governamentais subiu para 71% em 2024, comparada a cerca de 51% em 2021. A ironia é deliciosa. O Google recebeu 330 mil pedidos de remoção desde 2020, com a Rússia sendo responsável por 64% deles. O Reddit recebeu 160 pedidos de 26 países só no primeiro semestre de 2024. Essas empresas argumentam que estão apenas cumprindo a lei local. Conveniente, não é? Como se a lei local não fosse, frequentemente, um instrumento de opressão estatal.
(Sugestão de Pausa)
Enquanto no Ocidente discutimos shadowbanning e algoritmos, em outros lugares do mundo as pessoas estão sendo presas, torturadas e condenadas à morte por simplesmente postarem algo na internet. Isso não é exagero, é fato. Em 56 dos 72 países estudados pela Freedom House, pessoas foram detidas ou encarceradas por expressão online. Na Tailândia, um ativista pró-democracia recebeu 28 anos de prisão por criticar a monarquia. Uma mulher em Cuba recebeu 15 anos por “propaganda inimiga”, por compartilhar vídeos de protestos no Facebook. No Paquistão, um jovem de 22 anos recebeu sentença de morte, e outro, de 17, foi condenado à prisão perpétua, acusados de compartilhar conteúdo blasfemo via WhatsApp.
Deixe-me ser bem claro sobre esse tema: essa não é uma questão abstrata de direitos humanos. 79% dos usuários de internet do mundo vivem em países onde compartilhar conteúdo político, social ou religioso pode resultar em prisão. E sabe o que acontece com isso? As pessoas param de falar. Param de pensar livremente. Ficam com medo. Tudo exatamente como o Estado quer.
Agora vem o capítulo mais assustador dessa história: a inteligência artificial. Se os governos já têm problemas em censurar manualmente, por que não automatizar o processo? Myanmar desenvolveu uma tecnologia de IA capaz de bloquear VPNs e filtrar conteúdo ainda mais agressivamente. A China continua investindo pesadamente em IA para monitorar, identificar e censurar em tempo real. Reconhecimento facial, análise de texto, detecção de palavras proibidas — tudo automatizado, tudo impossível de evitar.
Mas aqui vem o lado cômico de tudo isso: as mesmas plataformas que usam IA para moderar conteúdo reclamam que a IA erra. O YouTube remove 94% dos vídeos violadores detectados automaticamente, mas quantos vídeos legítimos caem junto? A Meta usa IA para remover crimes de ódio, mas quantas postagens inofensivas são deletadas por erro do algoritmo?
(Sugestão de Pausa)
A verdade inconveniente é essa: quando se trata de censura, governos e big techs se banham nos holofotes. Ambos usam IA, ambos cometem erros, ambos afirmam estar protegendo as pessoas — e ambos estão, na realidade, consolidando poder sobre o que podemos dizer e pensar.
E se, em vez de uma internet global, tivéssemos várias internets — uma chinesa, uma russa, uma europeia, uma americana? Bem, prepare-se, porque é exatamente isso que está acontecendo. A China já tem seu Grande Firewall, um sistema que isola completamente seus cidadãos da internet global. A Rússia está construindo uma internet “soberana”, com tráfego roteado por pontos controlados pelo Estado. O Irã está desenvolvendo sua Rede de Informação Nacional para operar de forma independente.
E até democracias ocidentais estão contribuindo para essa censura e perseguição com suas leis de soberania digital e requisitos de localização de dados. A União Europeia, com seu Digital Services Act, está efetivamente criando uma experiência de internet europeia diferente do resto do mundo. Tem gente que vê isso como proteção ao consumidor e regulação necessária. Mas, sejamos honestos: é fragmentação. É a balcanização da internet. É o fim da internet global que prometemos ter construído.
Resultado? Seu acesso à informação — e sua capacidade de falar — passam a ser determinados pela sua localização geográfica. É distópico? Claro. Mas é exatamente para onde estamos caminhando.
Nem tudo é deprimente. Há pessoas lutando contra isso. Plataformas descentralizadas como o Mastodon e outras redes sociais estão crescendo. VPNs? Você não faz ideia do boom. Quando governos bloqueiam o X, os downloads de VPN disparam 1.000% — isso em lugares como Nigéria e Turquia. Aqui no Brasil, muitas pessoas aprenderam a usar quando o governo também bloqueou a rede social do bilionário Elon Musk. Ativistas estão desenvolvendo ferramentas anticensura: DNS criptografado, domain fronting, até internet via satélite, como a Starlink, ativada na Ucrânia para contornar bloqueios russos.
(Sugestão de Pausa)
A criatividade humana em contornar a censura é impressionante. Em Hong Kong, manifestantes usam AirDrop e redes mesh quando a internet é cortada. Iranianos usam Tor e Psiphon para acessar o Instagram.
Mas aqui está o problema: isso é um jogo de gato e rato que nunca acaba. Para cada ferramenta de evasão criada, censuradores desenvolvem novas técnicas. É exaustivo. E a maioria das pessoas não tem tempo nem conhecimento técnico para jogar esse jogo.
Existem organizações internacionais como a Access Now e sua campanha KeepItOn, tentando chamar atenção. Alguns países começam a sancionar autoridades responsáveis por censura massiva. Mas é uma gota em um oceano de autoritarismo digital.
E aqui vem o mais perturbador: democracias não estão apenas observando ditadores censurarem — estão imitando-os.
E o Brasil? O governo do “Molusco” usou o caso exposto pelo influenciador Felca, sobre a adultização de crianças, para defender uma lei de regulamentação das big techs que, supostamente, vai proteger crianças de conteúdo sexual e combater a desinformação. Claro que vai. É sempre assim. Ninguém nunca diz que quer uma lei para silenciar a oposição política. A desculpa é sempre “proteger as crianças”. É brilhantemente desonesto.
A Europa está forçando plataformas a remover conteúdo ilegal rapidamente ou enfrentar multas de até 6% da receita global. Parece razoável? Até você perceber que “conteúdo ilegal” pode ser interpretado de forma bem criativa por diferentes governos. Os Estados Unidos baniram usuários de plataformas por razões políticas — lembra-se de Trump sendo banido do Twitter? Conservadores reclamam de shadowban, progressistas reclamam de amplificação de conteúdo de direita. Enquanto isso, as plataformas ganham poder absoluto de decisão.
(Sugestão de Pausa)
A tendência global é óbvia: governos estão usando a proteção como desculpa para regular a internet. E, quando um governo consegue fazer isso com sucesso, outros copiam. Rápido.
A liberdade de expressão está perecendo. Não de forma dramática, com bala ou bomba, mas falecendo silenciosamente — morte por mil sentenças legais para banir contas, algoritmos que visam proibir certos assuntos e novas “proteções” contra ódio e coisas do tipo. Governos autoritários sempre censuraram. O problema agora é que democracias estão fazendo o mesmo, só que com melhor relações-públicas. As big techs não são os heróis, como muitos pensam. São empresas que lucram com cada clique, cada post, cada segundo que você fica na plataforma. Se um governo solicitar a exclusão de conteúdo, elas tiram sem nem pensar. Se a maioria da sociedade demandar alguma proteção, elas lucram com a publicidade desse novo recurso de segurança.
A internet que prometemos seria livre, global e descentralizada. Em vez disso, estamos construindo prisões digitais fragmentadas, onde seu governo local decide o que você pode ver e dizer.
E o pior? A maioria das pessoas acha que está tudo bem — desde que seja “para proteger as crianças” ou “combater mentiras”.
Bem-vindo ao futuro. Esperamos que goste. Porque, aparentemente, escolhemos isso.
https://www.accessnow.org/internet-shutdowns-2024
https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/08/12/governo-enviara-projeto-ao-congresso-para-regular-big-techs-e-punir-crimes-nas-redes-diz-ministro.ghtml
https://www.computerweekly.com/news/252529078/Internet-shutdowns-cost-global-economy-24bn-in-2022
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/autoritarismo-e-meio-digital-sao-riscos-a-liberdade-de-expressao-no-mundo-dizem-especialistas,8137fc77f90b8d31849148273fc0fcbauynw6l72.html
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/regulamentacao-das-redes-sociais-mobiliza-planalto-congresso-e-stf