Quando parece que as coisas não podem piorar, surge Trump pra livrar Alexandre de Moraes e sua esposa da lei Magnitsky. E agora, acabou a esperança? Ou será que ainda podemos fazer algo pra mudar a situação?
Na última semana, fomos atingidos por uma notícia tão ruim que, para muita gente, acabou matando a pouca esperança que ainda tinham em algum futuro desse país. O governo dos Estados Unidos decidiu retirar as sanções impostas ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes — bem como à sua esposa e à holding familiar associada a ele — que haviam sido aplicadas meses antes com base na chamada Lei Global Magnitsky. As medidas, que incluíam bloqueio de ativos, restrições financeiras e impedimentos de entrada em território norte-americano, foram simplesmente revertidas, sem nenhuma explicação clara do motivo. Será que Moraes simplesmente deixou de ser um violador de direitos humanos?
Autoridades americanas falaram em reaproximação diplomática, normalização das relações bilaterais e em um novo ambiente político no Brasil que tornaria as sanções desnecessárias. Mencionou-se, inclusive, o avanço de projetos legislativos, como o PL da dosimetria, como fatores que teriam pesado na decisão. Mas todas essas explicações acabaram sendo muito vagas, e por isso muita gente desconfia que Lula ofereceu algo a Trump em troca da retirada das sanções.
O impacto dessa grande movimentação no tabuleiro geopolítico foi muito grande, principalmente entre aqueles que vinham nutrindo uma grande esperança de que sanções internacionais seriam o grande freio à escalada autoritária do Judiciário brasileiro. Para muita gente, a Magnitsky era vista como uma espécie de carta final, um instrumento capaz de impor limites externos a um poder que, internamente, parecia não reconhecer freios nem contrapesos. Quando essa carta foi retirada da mesa, o sentimento que restou foi um só: desesperança.
Mas algo precisa ser dito de forma clara, ainda que doa: essa decepção e essa desesperança não nascem apenas da retirada das sanções em si, mas em parte são culpa da própria direita que continua insistindo no mesmo erro, desde a ascensão de Jair Bolsonaro. Um erro que consiste em depositar expectativas excessivas — e, às vezes, toda a sua energia política — em figuras providenciais, sejam elas nacionais ou estrangeiras. Ontem foi Bolsonaro. Hoje é Trump. Amanhã será outro nome qualquer. O padrão se repete: projeta-se num político a função de salvador, ignora-se a estrutura real de poder, e depois vem a frustração inevitável.
No caso específico de Donald Trump, o choque foi ainda maior porque foi algo repentino. Muitos se perguntam, até agora, o que teria levado Trump a agir dessa forma tão aparentemente contraditória. Não há uma explicação única, clara ou transparente. Não se sabe se pesaram acordos comerciais, rearranjos geopolíticos, pressões internas ou se simplesmente Lula passou a perna em Trump. O fato é que, quando interesses maiores entram em jogo, princípios abstratos costumam ser os primeiros a serem sacrificados. Isso não é uma particularidade de Trump; é uma característica estrutural da política estatal.
E aqui vale fazer uma pausa para uma reflexão mais profunda, que deveria ter sido feita há muito tempo. A direita brasileira, de modo geral, parece não ter assimilado uma das lições mais básicas ensinadas por Olavo de Carvalho ao longo de décadas: a distinção entre infraestrutura e superestrutura, um conceito oriundo do próprio marxismo, curiosamente tão ignorado por aqueles que se dizem seus adversários. Olavo sempre insistiu que cargos políticos, mandatos, visibilidade midiática e influência institucional pertencem ao campo da superestrutura. Eles moldam discursos, leis e narrativas, mas não constituem, por si só, poder real.
Poder real, como Olavo gostava de repetir, é algo muito mais simples — e, ao mesmo tempo, muito mais difícil de se conquistar: poder real é o número de pessoas que te obedecem voluntariamente. É a capacidade de orientar comportamentos, formar consciências, criar lealdades e estabelecer padrões de ação sem recorrer à coerção direta. E é exatamente aí que a esquerda vence de lavada a direita. Enquanto a direita comemora cadeiras no Congresso e vitórias eleitorais episódicas, a esquerda construiu, ao longo de décadas, uma vasta infraestrutura social: sindicatos, movimentos estudantis, associações de classe, ONGs, lideranças comunitárias, professores, intelectuais orgânicos e militantes espalhados por toda a máquina social.
A direita, por outro lado, concentrou seus esforços quase exclusivamente na superestrutura. Apostou que, conquistando cargos, tudo o mais se alinharia automaticamente. Apostou que eleger um presidente resolveria problemas que são, na verdade, culturais, sociais e estruturais. Apostou que decisões vindas de cima seriam suficientes para reordenar a sociedade. E, mais uma vez, perdeu.
O episódio da Lei Magnitsky demonstra esse equívoco com perfeição. Quando as sanções foram anunciadas, houve quem acreditasse que aquilo representava um divisor de águas, um golpe decisivo contra a autoridade de Alexandre de Moraes. E é verdade que, por um breve momento, houve algum impacto. Houve constrangimento internacional. Houve incômodo. Houve, talvez, até certo receio por parte do STF e da esquerda. Mas nada disso foi suficiente para interromper a cruzada autoritária que já estava em curso. As decisões continuaram. A lógica de concentração de poder seguiu intacta. A sanção causou um dano momentâneo, mas não alterou a estrutura.
Eu mesmo, autor desse artigo, já havia apontado isso anteriormente, no vídeo intitulado “Coca Cola é ALERTADA pelo GOVERNO TRUMP após patrocinar evento em que MORAES é palestrante”. Ali, já argumentava que a efetividade da Magnitsky era limitada, especialmente quando usada como substituto para ações internas de base. E o tempo, mais uma vez, confirmou essa avaliação. A sanção foi retirada com a mesma facilidade com que foi aplicada, sem que isso exigisse qualquer mudança substancial de comportamento por parte do alvo.
Isso deveria servir de lição. Não porque instrumentos legais, especialmente os internacionais, não tenham nenhum valor ou efetividade, mas porque eles são, por natureza, frágeis, reversíveis e subordinados a interesses que nada têm a ver com a liberdade do cidadão brasileiro. Acreditar que a soberania estatal de outro país será usada, de forma consistente e altruísta, para resolver nossos problemas internos é uma ilusão perigosa — e profundamente incompatível com qualquer visão libertária séria.
Se o problema central é o excesso de poder do estado brasileiro e de suas instituições, então a solução definitiva não pode vir de outro estado. Isso é uma contradição em termos. A saída precisa ser construída de baixo para cima, e não de fora para dentro. E isso nos leva ao ponto talvez mais importante de toda essa discussão: ao invés de esperar por heróis internacionais ou salvadores da pátria nas próximas eleições, a direita deveria estar agindo de maneira muito mais direta, pragmática e, em certos casos, até sigilosa.
Ferramentas libertárias existem, e não são poucas. O Bitcoin, por exemplo, representa um desafio real ao poder estatal porque ataca sua base financeira. Guardar suas economias em Bitcoin não é apenas uma decisão de investimento; é um ato político no sentido mais profundo da palavra. É retirar do estado a capacidade de corroer sua poupança via inflação, de rastrear cada transação, de confiscar recursos com uma canetada. Um cidadão que protege seu patrimônio fora do sistema financeiro estatal causa muito mais dano a regimes autoritários do que qualquer sanção diplomática temporária.
O mesmo vale para o uso de VPNs, ferramentas de privacidade, redes descentralizadas e meios alternativos de organização social. Tudo isso reduz o alcance do controle estatal, dificulta a censura e fortalece a autonomia individual. São ações silenciosas, muitas vezes invisíveis, mas cumulativas e extremamente eficazes. Diferentemente de uma lei Magnitsky, que depende da boa vontade de burocratas estrangeiros, essas ferramentas estão ao alcance de qualquer indivíduo disposto a assumir responsabilidade sobre sua própria liberdade.
Isso não significa, é claro, abandonar a luta na superestrutura. Ela continua sendo importante. Canais como o Visão Libertária fazem parte desse esforço de formação de consciência, de disputa narrativa, de esclarecimento público. Mas essa luta só produz resultados duradouros quando está conectada a uma estratégia mais ampla de ocupação de espaços reais de poder. E esses espaços não se limitam a cargos eletivos. Estamos falando de magistratura, de lideranças estudantis, de professores, de formadores de opinião locais, de produção consistente de literatura de direita, de construção de comunidades intelectuais e culturais que sobrevivam independentemente de ciclos eleitorais.
Quando se combina essa atuação de base com a retirada sistemática de recursos do estado — por meio do uso de Bitcoin e de outras ferramentas libertárias — o impacto é muito mais profundo. O estado sente no bolso. Seus cofres se esvaziam. Sua capacidade de financiar estruturas coercitivas diminui. E, sem dinheiro, toda a engrenagem autoritária começa a ranger.
Diante disso tudo, a notícia da retirada das sanções, embora desoladora à primeira vista, não deveria ser encarada como o fim do mundo. A história está repleta de períodos muito mais sombrios, enfrentados em épocas em que não existia nada remotamente parecido com o Bitcoin, com a criptografia moderna ou com redes globais de comunicação descentralizada. Se foi possível resistir e avançar em contextos muito mais hostis, não há razão para sucumbir agora ao desânimo.
Talvez a principal lição desse episódio seja justamente esta: liberdade não se terceiriza. Não se delega. Não se importa de Washington, Bruxelas ou qualquer outra capital. Ela é construída, dia após dia, por indivíduos dispostos a reduzir sua dependência do estado e a fortalecer laços voluntários de cooperação.
Portanto, fica aqui o convite — ou, se preferir, o desafio. Façam aquilo que Trump foi incapaz de fazer de forma consistente: sancionem, vocês mesmos, todos os ditadores do governo brasileiro. Não com decretos vazios, mas retirando seu dinheiro do sistema estatal, usando o real o mínimo possível, protegendo seu patrimônio, fortalecendo redes paralelas e reduzindo, na prática, o poder de quem vive da coerção. Essa é a sanção que realmente funciona. E essa, ao contrário das demais, ninguém pode revogar.
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c74xxwzpng3o