Estado com excesso de dinheiro chega a ser um pleonasmo, dado que apenas um centavo na mão de bandidos já é muito.
Em 2012, a cerca de 11 anos atrás, a Irlanda integrava um bloco de países europeus que recebia o nada lisonjeiro acrônimo de PIIGS, ou “porcos” em inglês, mas com um “I” a mais, referente aos países mais endividados da Europa. Esse bloco incluía respectivamente Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Esse apelido foi dado pela imprensa inglesa, que demonstrando a típica empáfia britânica, não se incluía na lista. Porém, alguns apontavam que o Reino Unido tinha uma dívida relativa ao PIB duas vezes maior que a da Irlanda, o que poderia incluir mais um porco no grupo com a sigla G (de Grã-Bretanha).
Suínos à parte, a Irlanda botou em prática um plano que entregou excelentes resultados em poucos anos. Começou com o corte de quase 25 mil funcionários públicos, mas isso é detalhe. A grande sacada foi um plano agressivo de redução de impostos para empresas estrangeiras, que atualmente está em 11,5%. Isso atraiu gigantes dos setores de tecnologia e indústria farmacêutica para o país, incluindo Google, Meta e Pfizer. A imigração massiva de capital estrangeiro gerou recordes de roubo, digo, arrecadação de impostos no país. A receita de 2023 conta com um excedente de 10 bilhões de euros em relação ao previsto. Para 2024, é previsto um excedente de 16 bilhões.
Por incrível que pareça, isso é uma dor de cabeça para o governo irlandês. Em uma empresa privada, excesso de dinheiro nunca seria um problema, dada a multiplicidade de fins que se pode dar a ele. O dono de uma empresa poderia investir em bens de capital como máquinas, comprar mais ou melhores insumos, abrir mais um ramo de negócios, abrir filiais, bonificar seus funcionários, pagar dividendos para os acionistas, investir em propaganda, aplicar em fundos de investimento, reduzir preços ou simplesmente embolsar o dinheiro, o que não seria nenhuma imoralidade.
Só que o estado não funciona como uma empresa. Empresas privadas se sustentam pela qualidade dos serviços que prestam, enquanto o estado sobrevive pela ideia que as pessoas têm dele. E esse é o problema do governo irlandês. Qualquer uso que se fizesse dos 10 bilhões a mais poderia levá-lo a ser alvo de críticas.
Segundo pesquisa do jornal Irish Times, 40% dos entrevistados quer que o dinheiro seja gasto em “transporte público, habitação, hospitais e escolas”. Pelo visto, a população irlandesa não é tão melhor que a brasileira no que se refere a ser imediatista e querer que o governo resolva seus problemas.
Outros 25% são a favor de gastos com saúde e educação, 9% apoiam que o governo use o dinheiro para reduzir impostos e menos de 5% prefere que o valor excedente seja usado para o pagamento da dívida nacional ou guardado para custear pensões futuras.
Vamos analisar cada alternativa. A Irlanda poderia usar o dinheiro excedente para atenuar as dívidas que contraiu com a União Europeia para sair da crise. Porém, pela ótica libertária, essa seria uma opção ruim, pois só transferiria dinheiro de um estado para outro. E nenhum estado é digno de possuir dinheiro. Ademais, pelo princípio do localismo defendido por Hans-Hermann Hoppe, quanto maior a extensão territorial dominada por um estado, pior tende a ser sua atuação. Um pouco de pesquisa escancara a tragédia representada pelos burocratas de Bruxelas, que já quis regular até o formato do pepino vendido na Europa. Não é meme, tá aí a notícia na tela.
A opinião sobre investir em educação é consenso entre libertários: educação estatal nem deveria existir. Sobre isso, recomendamos os vídeos “A educação estatal funciona perfeitamente” e “O homeschooling pode salvar nossa sociedade”. Para quem quer se aprofundar, há uma playlist inteira sobre esse assunto, o link segue na descrição. Próxima.
Investir em saúde pública também é problemático. Esse é um assunto que requer um vídeo próprio, mas podemos resumir em sete problemas que inevitavelmente recaem sobre qualquer sistema de saúde público, bem na verdade recaem sobre qualquer tipo de serviço oferecido pelo estado:
1) Falta de cálculo econômico: que leva a má alocação de recursos, visto que em alguns hospitais faltam equipamentos, enquanto em outros eles ficam sucateados por falta de uso;
2) Inversão dos incentivos: os profissionais da saúde pública são incentivados a demonstrar que o sistema é falho para requerer mais recursos e aumento de salários;
3) Estímulo ao viés de curto prazo no paciente: a disponibilidade de serviços de saúde "gratuitos", o termo correto seria "investimento marginal zero", leva a um aumento da demanda pelos mesmos, visto que desincentiva o paciente a ter cuidados preventivos;
4) Carestia de insumos: a demanda artificial da saúde pública leva ao aumento de preços de toda a cadeia de bens e serviços de saúde, desde as agulhas até as faculdades de medicina;
5) Sufocamento da alternativa privada: mesmo que haja concorrência em certa medida, os serviços de saúde privada sofrerão com a drenagem de profissionais e insumos pela saúde pública, tendo que balizar seus preços e salários por aquela. Além disso, o número de clientes potenciais do serviço privado é reduzido, pois quem poderia pagar é empobrecido pelo financiamento compulsório do sistema público;
6) Relação promíscua de empresas com políticos: a existência de um sistema de saúde com demanda garantida faz com que empresas consigam clientes não por fornecerem melhores serviços por melhores preços, mas através de lobby político, ignorando as necessidades do público;
7) Validação social dos impostos: essa é a consequência mais grave de um sistema de saúde pública. Tal como traficantes que compram remédios e comida para pessoas carentes nas favelas, o fornecimento de um sistema de saúde público é uma migalha com a qual o governo paga sua validação perante a população.
Lembremos que todo sistema de saúde pública, uma hora ou outra, apresenta sinais de fadiga. Sistemas como o sueco duraram mais devido à pujança econômica que o sustentou, mas mesmo este obrigou o governo a fazer algumas privatizações.
Por outro lado, o investimento em transporte público apresentaria problemas semelhantes aos referentes aos sistema de saúde: falta de concorrência, monopólio, carestia, lobby político, desdém pelas necessidades do cliente, e assim por diante.
Existe ainda quem defenda que o governo use o dinheiro para reduzir o déficit habitacional. Devido à falta de imóveis, muitos jovens estão deixando o país para ter onde morar. Lembremos que a Irlanda já passou por um boom imobiliário na década de 2000, e teve que demolir casas para atenuar esse problema. A proposta de investir em moradia remete à esquizofrenia keynesiana. Cavar buracos para depois tampá-los, construir casas para depois demoli-las. É a teoria das janelas quebradas de Bastiat.
Agora vamos às melhores alternativas do ponto de vista libertário!
Usar o dinheiro para reduzir impostos é o que se deveria defender desde o princípio. Quando houve o movimento “Occupy Wall Street”, o economista da escola austríaca Peter Schiff, que fez fortuna prevendo crises, foi conversar com os manifestantes acompanhado de uma placa: “eu sou o 1%, vamos conversar”. O link para o vídeo em inglês está na descrição. É divertido, vale a pena ver a dissonância cognitiva dos ativistas. Em certo momento, Peter diz: “eu concordo com o sentimento de revolta, só que vocês não deveriam estar aqui, mas em Washington. Vocês não deveriam pedir por direitos, deveriam pedir seu dinheiro de volta”.
Falando em dinheiro de volta, guardar o dinheiro para pagar pensões também é uma alternativa moral. Dado que não é possível devolver a cada pagador de imposto exatamente o quanto pagou, essa seria uma forma de retornar o dinheiro à população. A dificuldade prática é que a moeda fiduciária perde poder de compra com o tempo, e o próprio ato de disponibilizá-la acelera esse processo. Em outras palavras, você confiaria no ladrão para guardar seu dinheiro?
Para garantir que o dinheiro tenha algum valor quando a população envelhecer, o governo poderia investir em Bitcoin, ouro ou outro bem com lastro físico e escasso e, de preferência não consumível. Menos imóveis, que já analisamos e vimos que isso dá ruim. A alternativa agora proposta teria a vantagem de retirar moeda fiduciária de circulação, o que levaria à deflação e consequente aumento do poder de compra do Euro no país. No entanto, o Bitcoin se baseia em um princípio de descentralização, então o pior pesadelo de um bitcoinheiro é ver governos e grandes corporações comprando a moedinha laranja.
Milton Friedman defendia uma tese de imposto negativo. Sempre que houvesse excedente, o governo deveria devolver o dinheiro aos cidadãos na forma de bolsa, depósito bancário direto ou redução de impostos. Mas na prática a ideia de Friedman nunca deu certo, obviamente pelos incentivos a que estão expostos os agentes. Sabemos bem que se o governo dá uma bolsa, tem a motivação de comprar eleitores para se perpetuar no poder. Por outro lado, se o governo dispõe de mais recursos para obras e outras atividades, tem mais oportunidade para desviar dinheiro e comprar apoio político.
Surpreendentemente, a alternativa de não gastar o dinheiro seria defendida por Keynes, aquele mesmo, o queridinho dos progressistas. O economista Rodrigo Constantino, na época em que escrevia bons ensaios e não era um mero caçador de polêmicas, costumava chamar economistas mainstream como Paul Krugman e Thomas Piketty de “keynesianos manetas”. Keynes defendia políticas anticíclicas em ambos os sentidos: gastar em épocas de crise, mas também segurar o dinheiro em época de bonança, justamente para manter reservas já prevendo futuras crises. Sabemos que ele estava errado, a economia não é naturalmente cíclica, e toda crise é causada pelo estado. Mas é interessante constatar que mesmos seus defensores distorcem suas teorias conforme lhes convêm.
Por fim, deixemos claro que em termos práticos, em um contexto estatista como o que vivemos, obviamente é melhor o estado ter dinheiro do que não ter, e que a situação da Irlanda é melhor que a da Argentina ou do Brasil. Se tiver que faltar dinheiro ao estado, que seja por sonegação, e não por gastança do próprio governo. Mas o fato dos burocratas estarem preocupados pelo excesso de uma coisa boa, só mostra que não tem como enfeitar o Leviatã. O estado sempre será maligno, mesmo pintado de ouro.
No entanto, para resolver esse problema que parece complexo, basta a sabedoria do caipira: "tá sobrando pra você? deixa um pouco aqui comigo!"
Irlanda com excesso de dinheiro
https://www.seudinheiro.com/2023/internacional/problema-de-bilhoes-irlanda-tem-r-52-bilhoes-sobrando-no-orcamento-e-nao-sabe-o-que-fazer-com-o-dinheiro-miql/
União Europeia já quis proibir pepino torto, mas voltou atrás
https://www.dw.com/pt-br/ue-afrouxa-normas-sobre-a-curvatura-do-pepino/a-3792935
A verdade sobre o sistema de saúde sueco
https://mises.org.br/article/1824/verdades-inconvenientes-sobre-o-sistema-de-saude-sueco
Suécia privatiza sistema de saúde
https://www.theguardian.com/society/2012/dec/18/private-healthcare-lessons-from-sweden
Irlanda enfrenta uma crise imobiliária
https://www.eurodicas.com.br/crise-imobiliaria-na-irlanda/
Boom imobiliário na Irlanda
https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2014/01/irlandeses-tentam-erradicar-os-fantasmas-da-bolha-imobiliaria-destruindo-casas-4380194.html
A educação estatal funciona perfeitamente
https://www.youtube.com/watch?v=bwy7ptt157Q
O homeschoooling pode salvar nossa sociedade
https://www.youtube.com/watch?v=ejULCwhzgek
Playlist Visão Libertária sobre educação
https://www.youtube.com/watch?v=ejULCwhzgek&list=PL_KMO5EWPhdbbzUELs7q1Bt2xpYCHbwLI
Peter Schiff no movimento Occupy Wall Street
https://www.youtube.com/watch?v=UGL-Ex1CD1c