O Silêncio dos Inconfidentes: Quando a VERDADE se Torna TRAIÇÃO

Até onde o estado vai para esconder seus segredos? A perseguição implacável a um ex-assessor, agora exilado, revela que os limites para proteger o poder são cada vez maiores. A verdade se tornou um crime.

O poder estatal, quando contrariado, move suas engrenagens de forma rápida e implacável. Recentemente, um caso emblemático veio à tona, expondo as entranhas do sistema judiciário brasileiro. Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tornou-se o centro de uma tempestade política. Ele não apenas deixou seu cargo, mas fugiu para a Itália. De lá, vem prometendo revelar os bastidores de um poder que, segundo suas palavras, opera muito além dos limites da lei.

A reação do sistema foi imediata e enérgica. O próprio ministro Alexandre de Moraes solicitou ao Ministério da Justiça a extradição de seu ex-colaborador. Simultaneamente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma denúncia formal contra Eduardo Tagliaferro. As acusações são graves, e se não estivéssemos no Brasil, onde qualquer um que se opõe ao regime pode ser acusado até de ter apedrejado a cruz, poderíamos pensar que Tagliaferro é um criminoso de alta periculosidade. As acusações vão desde a obstrução de investigações, até a tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito. Este é o ponto de partida para entendermos não apenas um caso isolado, mas o método pelo qual o aparato estatal busca silenciar a dissidência e proteger seus segredos sujos. O que está em jogo aqui não é apenas o destino de um homem, mas o direito fundamental de saber o que é feito em nome do povo e com o dinheiro do povo.

Para justificar suas ações, o estado precisa construir uma narrativa, pois tais ações não têm base na verdade. A denúncia da PGR pinta Tagliaferro não como um dissidente ou um potencial delator, mas sim, como um criminoso perigoso. Segundo a acusação, ele teria vazado informações sigilosas de inquéritos para uma "organização criminosa". O objetivo, de acordo com a PGR, seria "tumultuar o cenário político nacional" e desacreditar as instituições. Esta é uma tática clássica. Qualquer um que exponha as contradições e os possíveis abusos do poder é imediatamente rotulado como um agente do caos, um inimigo da democracia.

A acusação se baseia na apreensão do celular de Tagliaferro. No aparelho, teriam sido encontradas as supostas provas do vazamento. A denúncia afirma que ele agia para obstruir investigações e atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O enquadramento no crime de "tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito" é particularmente revelador. Este tipo penal, muitas vezes vago e de ampla interpretação, transforma o ato de vazar informações em um ato de insurreição. A mensagem que o sistema passa é clara: expor os segredos do estado é o mesmo que tentar destruí-lo. E, para o estado, não há crime maior do que atentar contra sua própria existência e seus monopólios. A narrativa oficial busca, portanto, desumanizar o alvo e criminalizar a informação.

Do outro lado do Atlântico, uma versão muito diferente dos fatos começa a surgir. A defesa de Eduardo Tagliaferro e fontes próximas a ele alegam que a situação era insustentável. Ele estaria sendo submetido a uma enorme pressão e a um quadro de assédio moral. A acusação mais grave, no entanto, é a de que ele recebia "ordens que não tinha opção de descumprir". Essas ordens, segundo relatos, envolviam o uso da estrutura do estado para fins que extrapolavam suas funções legais.

Documentos e informações que vieram a público indicam que a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE, onde Tagliaferro trabalhava, teria sido instrumentalizada. Em vez de apenas combater a desinformação, o que por si só já é algo distópico, o setor estaria produzindo relatórios que serviam para subsidiar operações de busca e apreensão, quebras de sigilo e até mesmo prisões. Ou seja, um órgão administrativo estaria atuando como um braço de investigação e inteligência, mirando em críticos do sistema. Tagliaferro estaria no centro dessa operação, coagido a participar de um esquema que, em sua visão, era ilegal. Sua fuga e a ameaça de revelações seriam, portanto, uma tentativa de se proteger e expor um sistema de abuso de poder. Pela lógica, ele não seria o criminoso, mas a testemunha de um crime.

Do ponto de vista libertário, o caso de Eduardo Tagliaferro é um laboratório perfeito para observar a natureza do estado. Ele demonstra, na prática, vários princípios que a teoria anarcocapitalista aponta. O primeiro e mais evidente é que o estado não tolera a transparência. O sigilo das ações estatais não é uma exceção, mas sim uma ferramenta essencial para a manutenção do poder. Informações sobre operações internas, decisões de bastidores e possíveis ilegalidades são tratadas como segredos de segurança nacional. Quem ousa quebrar esse sigilo, como Julian Assange, Edward Snowden ou, em menor escala, Tagliaferro, não é visto como um herói, mas como um traidor.

Isso ocorre porque a legitimidade do estado depende de uma imagem de legalidade, justiça e ordem. A revelação de que seus agentes podem estar agindo ilegalmente, perseguindo opositores e usando a máquina pública para fins privados, corrói essa imagem. A reação violenta, com acusações de "ataque às instituições", é uma resposta imunológica do establishment. O sistema se defende, quase que instintivamente, para garantir sua sobrevivência. A liberdade de expressão, neste contexto, é tolerada apenas enquanto não ameaça os interesses fundamentais de quem detém o poder. Quando a expressão assume a forma de uma revelação de segredos, ela é reclassificada como crime.

Outro ponto crucial é a falácia do monopólio da justiça. Em uma ordenação social libertária, a justiça seria provida por agências privadas em concorrência, com árbitros e códigos de conduta claros. Muito diferente do que temos no sistema estatal, onde a justiça é um monopólio. O grupo que investiga, acusa e julga, pertence à uma mesma estrutura de poder. Não há um agente externo e isento para mediar o conflito. Quando um membro do judiciário é acusado, são seus próprios pares que o julgarão. Quando o sistema judiciário como um todo é questionado, é ele mesmo quem define os termos da investigação.

O caso Tagliaferro ilustra essa falha de forma gritante. Um ex-assessor de um ministro do STF ameaça denunciar práticas ilegais. Quem o acusa? A PGR, um órgão de cúpula do sistema. Quem pede sua extradição? O próprio ministro supostamente envolvido. Quem julgará o caso? O STF, corte da qual o ministro acusado é membro. É um ciclo fechado, onde o sistema investiga, julga e inocenta a si mesmo. Nesse cenário, a figura do whistleblower, o denunciante, é esmagada. Naquele país que se autointitula "terra da liberdade", a proteção a denunciantes de crimes do governo é falha, mas ao menos existe no debate público. Na estrutura política brasileira, esse tipo de proteção é praticamente inexistente. A regra é a perseguição, como aponta a organização Transparência Internacional, que classifica o país como um lugar de alto risco para quem denuncia a corrupção e o abuso de poder.

O desfecho do caso de Eduardo Tagliaferro ainda é incerto. Se ele será extraditado e silenciado, ou se conseguirá expor o que sabe, de lá do seu exílio, apenas o tempo dirá. No entanto, sua história já serve como uma lição poderosa para todos nós. Ela nos mostra que o poder estatal, por sua própria natureza, tende ao sigilo, à expansão e à eliminação de ameaças. As leis, como a que criminaliza a "abolição do estado democrático de direito", são criadas não para proteger o cidadão, mas para proteger a própria estrutura de poder.

Para os defensores da liberdade, este caso reforça a desconfiança fundamental que devemos ter, em relação a qualquer poder centralizado e monopolista. Ele prova que a busca pela verdade é, muitas vezes, um ato de resistência. Expor as engrenagens do estado não é um ataque à sociedade, mas uma defesa dela. É um lembrete de que a liberdade não sobrevive na escuridão dos gabinetes e nos porões do poder, mas à luz do dia, com informação circulando livremente e indivíduos corajosos dispostos a arcar com o preço de revelá-las. A verdadeira ameaça não vem de quem vaza um documento oficial, mas de um sistema que precisa do sigilo para operar e que transforma a verdade em um crime passível de perseguição internacional.

Referências:

https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/teo-cury/politica/pgr-denuncia-eduardo-tagliaferro-ex-assessor-de-alexandre-de-moraes-no-tse/
https://www.infomoney.com.br/politica/moraes-pede-extradicao-de-seu-ex-assessor-eduardo-tagliaferro-diz-jornal/
https://www.cartacapital.com.br/politica/pgr-denuncia-ex-assessor-de-moraes-por-tentativa-de-abolicao-do-estado-e-obstrucao/
https://transparenciainternacional.org.br/posts/nao-ha-combate-a-corrupcao-sem-a-protecao-da-vida-de-quem-denuncia/