Segurança ou vigilância? Enquanto câmeras privadas prometem proteger, o risco de um ‘Grande Irmão’ à brasileira cresce. Estamos realmente mais seguros ou apenas mais vigiados?
Atualmente, um dos maiores problemas que afetam a população brasileira como um todo e que se tornou um tema sensível no debate público, especialmente entre políticos de esquerda, é a segurança pública. Como libertários, seguimos o Princípio da Não Agressão, conhecido pela sigla PNA, um dos fundamentos do libertarianismo. Esse axioma afirma que é imoral iniciar o uso da força, fraude ou coerção contra outra pessoa, ou sua propriedade. Dessa forma, toda interação entre indivíduos deve ser voluntária e baseada no consentimento mútuo.
Entretanto, o PNA não proíbe o uso da força de maneira absoluta, somente a restringe à autodefesa ou à restituição de danos causados por agressões prévias. Isso significa que, embora sejamos pacifistas por princípio, reconhecemos que não vivemos isolados e que estamos inseridos em uma estrutura estatal, ainda que discordemos veementemente dela, e é justamente aqui que entra o cerne do debate: hoje, a segurança pública Tupiniquim é um monopólio do estado e, como qualquer serviço estatal, está sujeito à ineficiência, a altos custos, à corrupção e, acima de tudo, à subordinação aos interesses políticos, em vez de atender às reais necessidades da sociedade.
No entanto, mesmo com as limitações impostas pelo governo, algumas iniciativas privadas voluntárias têm prosperado, especialmente com o barateamento e a popularização de diversas tecnologias. Caso você more no Rio de Janeiro ou em São Paulo, talvez já tenha notado, em alguns bairros, câmeras de vigilância com iluminação verde ou, em áreas mais movimentadas, totens equipados com câmeras com essa mesma característica de iluminação. Esse sistema pertence a uma startup que já levantou 76 milhões de reais em investimentos em menos de dois anos.
Batizada com o nome de um anjo, a Gabriel possui mil e seiscentos equipamentos instalados em prédios residenciais, lojas da Zona Sul e diversos espaços públicos como avenidas e praças do Rio de Janeiro. Os estabelecimentos pagam menos de 200 reais mensais pela assinatura de um par de câmeras, sem custo de instalação. Por meio de um aplicativo, moradores e comerciantes podem ver as imagens em tempo real e até acionar um botão de pânico. Além da Gabriel, outras empresas, como CoSecurity e RS Serviços, também oferecem soluções inovadoras na área de segurança privada.
Diferentemente do monitoramento tradicional, que somente grava imagens, as câmeras dos novos totens utilizam inteligência artificial para identificar atividades suspeitas, rostos e placas de veículos. Esses equipamentos são integrados a centrais de monitoramento, que podem repassar informações diretamente para a polícia. Os números divulgados pela Gabriel são impressionantes: 570 pessoas presas; 44 veículos recuperados; 9 pessoas desaparecidas encontradas; mais de 9.600 análises de ocorrência; e 8 pessoas inocentadas com o auxílio das imagens captadas.
E não, a empresa não está patrocinando este vídeo. Esses dados demonstram com propriedade a superioridade e a eficiência dos entes privados quando comparados à estrutura rígida e burocrática estatal. Até porque segurança pública é algo muito importante para deixarmos a cargo do parasita estacionário. Embora a segurança privada tenha se mostrado mais eficiente do que o monopólio estatal, há uma preocupação legítima para nós, libertários: o impacto da vigilância sobre a privacidade individual.
No libertarianismo, a privacidade é um direito fundamental e um desdobramento do princípio da propriedade privada. Afinal, se um indivíduo tem total controle sobre seu corpo e seus bens, ele também deveria ter controle sobre suas informações e seus rastros digitais. O problema surge quando tecnologias de vigilância, ainda que eficazes na segurança, são usadas para coletar, armazenar e compartilhar dados sem o consentimento do indivíduo.
A diferença crucial, do ponto de vista libertário, está no controle e no consentimento. Se a vigilância é uma escolha privada e voluntária , como em um condomínio que decide instalar câmeras para os moradores, não há violação de princípios. Mas quando o estado impõe câmeras em locais públicos e utiliza as imagens para fins arbitrários, isso se torna um problema de invasão de privacidade e possível repressão. O maior receio de nós, libertários, em relação à vigilância em massa vem do uso estatal dessas informações. A história está repleta de exemplos de governos que usaram sistemas de monitoramento para reprimir dissidentes políticos, censurar opiniões e violar liberdades individuais.
Mesmo quando a vigilância é implementada pelo setor privado, há riscos, por exemplo: cooperação com o estado, quando empresas podem ser pressionadas a fornecer dados para governos, eliminando qualquer proteção real ao cidadão. Monitoramento sem consentimento, ou seja, se câmeras privadas gravam espaços públicos e compartilham dados sem transparência, há um conflito com a autonomia individual. Risco de abuso por empresas, ou seja, grandes corporações podem usar dados de vigilância para manipulação comercial, discriminação ou outros fins não declarados.
Tal como ocorre na China, ficaria muito mais fácil para nossa ditadura do Cabeça de Ovo perseguir opositores políticos com um alto monitoramento da população. E será que, justo a iniciativa privada, está pavimentando esse caminho? Será que, em um futuro próximo, Gabriel será o Grande Irmão das terras tupiniquenses? O fato é que não possuímos uma bola de cristal para determinar o futuro, mas, de fato, devemos estar atentos aos sinais que nos são dados e também cobrar transparência desse processo de monitoramento. Segundo a Revista Metrópoles:
“Durante a transmissão ao vivo na internet, o diretor do Smart Sampa, Jabs Cres, disse que a empresa privada manda o frame do rosto que foi detectado e não recebe informação de volta, como sendo uma garantia de privacidade e respeito à Lei Geral de Proteção de Dados, conhecida como LGPD.”
“Toda a análise é feita, por agentes de segurança, obedecendo todos os princípios da LGPD, isso é importante deixar bem claro”, disse. “Não vai ter vazamento de dados, inclusive a gente não vai nem devolver informação para a ponta [quem forneceu] dizendo se é procurado. Não vai ter essa resposta para manter o sigilo em nós, em que pode fazer essa análise”.
Acredito que toda preocupação com privacidade é válida, mas também não podemos tornar essa preocupação uma psicose, como acontece em alguns casos nos Estados Unidos, onde reguladores querem banir do país produtos da Huawei Technologies e de outras quatro empresas chinesas de eletrônicos, incluindo câmeras de vigilância amplamente utilizadas por escolas americanas, aumentando a pressão sobre fornecedores de tecnologia que supostamente ofereceriam riscos à segurança. Depois dessa pesquisa, até nós do Visão Libertária estamos imaginando a China espionando escolas americanas.
Não podemos ofuscar também os casos independentes, esses ainda sim mais libertários, já que um grupo de moradores de uma determinada região organizou-se para criar um sistema de monitoramento, como no Rio de Janeiro, mais precisamente em bairros da Zona Oeste. Em um perímetro de 2,2 quilômetros no Anil e na Freguesia, associações de moradores se uniram para criar um sistema de monitoramento próprio. Elas contrataram uma empresa para prestar um serviço de câmeras com uma espécie de vigia virtual (usando IA), que vasculha as imagens o tempo todo, criando alerta, por exemplo, quando um grupo de pessoas fica parado por mais de 40 segundos em frente a uma casa. As informações são enviadas a uma central, que tem um analista, que pode acionar a PM. Segundo Fábio Quintino, presidente da Associação de Moradores do Bananal, Uruçanga e Quitite, ruas desse bairro, a iniciativa nasceu após uma série de roubos na região.
A segurança privada mostra-se uma alternativa eficiente ao modelo estatal falho. No entanto, a linha entre proteção e invasão de privacidade é tênue. Devemos permanecer vigilantes para garantir que a liberdade individual não seja comprometida sob o pretexto da segurança. O desafio está em encontrar um equilíbrio entre ambos os princípios, garantindo que a solução não se torne o próprio problema. Por isso devemos ter inúmeras empresas nesse ramo, para garantirmos que todos os dados não estejam nas mãos de um único ente. Quanto mais distribuído for o sistema e mais seguro forem os dados, mais privado os dados ficam, e mais protegidos estamos.
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/04/inevitavel-vigilancia-por-cameras-exige-responsabilidade.shtml
https://blogs.oglobo.globo.com/capital/post/gabriel-start-de-cameras-que-esta-ajudando-policia-investigar-crimes-na-zona-sul-do-rio.html
https://www.metropoles.com/sao-paulo/prefeitura-faz-big-brother-com-reconhecimento-facial-privado-na-rua
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/04/inevitavel-vigilancia-por-cameras-exige-responsabilidade.shtml
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/01/19/bbb-do-rio-cameras-com-sistemas-de-inteligencia-artificial-e-reconhecimento-facial-se-multiplicam-pela-cidade.ghtml