Porque os protestos de hoje não conduzem a revoluções?

A fome gera revoluções ou as inibe?

É necessário fazer uma distinção entre grandes revoluções que promovem transformações nas estruturas sociais e políticas, golpes de estado orquestrados por elites armadas e formas comuns de protesto relacionadas a questões específicas. Além disso, a natureza das causas que dão origem aos movimentos tem forte influência nos seus desdobramentos.
Pode-se afirmar que existem certos aspectos em comum a todas as grandes revoluções de que se têm notícia. Alguns desses fatores são: o amplo apoio de massas; pontos de ruptura como, por exemplo, o assassinato de alguma figura notável que representa os interesses de movimentos contra o sistema instalado; confrontos violentos com as forças do regime no poder; entre outros.

Parece haver um ponto de ebulição, não universal, dependente de cada civilização e cada cultura, uma medida de quanto a situação deve apertar até que as forças contra o regime instalado se levantem e consolidem um novo sistema, surgido das cinzas, parte das vezes através da violência.

Para o especialista em revolução francesa, Peter McPhee: “Todas as revoluções bem sucedidas são caracterizadas por alianças amplas no início, à medida que as queixas profundas de uma série de grupos sociais se aglutinam em torno da oposição ao regime existente”.

Por exemplo:

A Revolução no Egito em 2011, também conhecida como Dias de Fúria, Revolução de Lótus e Revolução do Nilo, foi uma série de manifestações de rua, protestos e atos de desobediência civil que ocorreram no Egito de 25 de janeiro até 11 de fevereiro de 2011. Os organizadores das manifestações contaram com a recente revolta da Tunísia para inspirar as multidões egípcias a se mobilizarem, assim como ocorreu em grande parte do mundo árabe, sendo conhecido como Primavera Árabe. Os principais motivos para o início das manifestações e tumultos foram a violência policial, leis de estado de exceção, o desemprego, o desejo de aumentar o salário mínimo, falta de moradia, inflação, corrupção, falta de liberdade de expressão, más condições de vida e fatores demográficos estruturais. O principal objetivo dos protestos era derrubar o regime do presidente Hosni Mubarak, que esteve no poder durante trinta anos.

Mubarak renunciou ao cargo em fevereiro de 2011. Após a renúncia, enfrentou acusações de corrupção e cumpriu pena de prisão. Ele foi libertado em 2017, mas sua saúde se deteriorou, levando à sua morte em 2020. A situação social pós Mubarak, a inflação, as condições de vida, não parecem ter sofrido grandes mudanças apesar dos enormes protestos que derrubaram o então presidente, cujas seguidas reeleições haviam sido contestadas pela incipiente oposição como sendo resultado de fraudes. Aparentemente, o sistema egípcio está inteiramente corrompido pelo mesmo mal de todos os outros que conhecemos: a sanha incansável em crescer e ser sustentado pela miséria dos seus cidadãos.

Um paralelo emblemático pode ser feito com a revolução francesa:

Os historiadores apontaram muitos eventos e fatores no Antigo Regime que levaram à Revolução. O aumento da desigualdade social e econômica, as novas ideias políticas emergentes do iluminismo, a má gestão econômica, os fatores ambientais que levaram ao fracasso agrícola, a dívida nacional incontrolável e a má gestão política por parte do rei Luís XVI foram citados como fatores que formaram as bases para a Revolução.

Durante os anos que precederam a Revolução, a economia do Antigo Regime enfrentava instabilidade devido a colheitas escassas que se estenderam por vários anos, um sistema de transporte inadequado e principalmente a expansão da base monetária para custear as diversas guerras, fatores que contribuíram para o encarecimento dos alimentos. A combinação desses fatores econômicos, juntamente com outros fatores sociais e políticos, levou a população, especialmente os trabalhadores mais vulneráveis, à insatisfação com a situação e eclodiu em revoltas, exigindo mudanças e reformas sociais e econômicas.

A gestão desastrosa da política econômica do país, particularmente quando envolve altos índices de corrupção e expansão da base monetária a fim de sustentar as classes que estão no controle, cria um ambiente propício à insurreições. Este problema não foi exclusivo, ao longo da história, de países pobres e em desenvolvimento. Em países onde a população média possui um padrão de vida mais elevado, sentir o impacto da violência inflacionária demora mais, justamente porque o salário médio ainda cobre os custos alimentares.

A inflação afeta desproporcionalmente os mais pobres, cuja maior porcentagem da renda acaba sendo direcionada para alimentação. No caso do Egito, por exemplo, as primeiras manifestações que levaram à queda e Hosni Mubarak coincidiram com a alta nos preços dos alimentos, que chegaram a custar a maior parte da renda média.

Mas a fome gera revoluções ou as impede?

A fome foi a regra na esmagadora maior parte da história humana e o advento do capitalismo mudou isso, passando a ser absoluta exceção como demonstrado no artigo “How We Are Beating Hunger in 5 Graphs”, para o qual a liberalização econômica conduziu a uma redução drástica na fome em todo o mundo.

Apesar de velha conhecida da humanidade, a fome utilizada como instrumento de poder, foi uma invenção do comunismo, como no caso da extinta União Soviética, que a utilizava para minar a resistência de opositores. A privação alimentar básica pode ser uma arma para impedir insurgências, mas também pode promover a queda abrupta e violenta do sistema, como visto no caso do Egito, sendo não apenas uma lâmina de dois gumes como também uma arma terrível e perigosa.

Isto implica concluir que, historicamente, a privação calórica, isoladamente, não se configura como fator determinante para instauração de revoluções. Portanto, fica evidente, que há uma margem que pode ser estreita ou não, a depender de fatores particulares de cada sociedade, em que os indivíduos se sentem propensos a realizar revoluções. Tanto na revolução francesa, quanto na egípcia que derrubou o presidente e em tantas outras registradas na história, a fome teve um papel preponderante, mas não elucida o caso de Venezuela e Cuba. Ademais, o fato de no último século ela ter sido reduzida drasticamente por vários fatores, entre eles o avanço da tecnologia na produção e no campo, deveria ser agente de freio para os levantes, o que não aconteceu no caso do Egito. Até que ponto e onde exatamente os cintos devem apertar para indivíduos saírem da inércia?

No caso de Cuba e Venezuela, suas populações não conseguiram realizar revoluções a fim de reformular as condições sociais, econômicas e políticas. A complexidade dos motivos pelos quais isto se processou passa tanto pelo desarmamento da população civil, quanto pelo emparelhamento do sistema, grandes investimentos em propaganda, repressão aos líderes logo no início dos movimentos contrários ao sistema posto, entre outros.
Esta é uma questão com diversas respostas.

Mitigar o ímpeto de uma população parece suposição barata escrita em letras frias que não fazem qualquer sentido, contudo, é preciso enxergar as coisas como elas realmente são e perceber que esta guerra ideológica está nos transformando em ovelhas acomodadas e inertes. Isto não é um discurso obscuro alarmista ou propaganda de oposição, esta é uma constatação factual e a história tem demonstrado este ponto.

Parece haver uma questão de DNA social, não que o presente artigo esteja sugerindo que haja populações mais propensas a revoltar-se que outras, mas determinados fatores psicossociais interferem no modo como a sociedade interpreta cada informação advinda do sistema.

Assistimos, calados, o atual governo intencionar colocar a mão na relação entre empresas de entrega e entregadores, sob a justificativa de resguardar a parte supostamente mais fraca quando na verdade seus intentos não passam de desejo insano por mais arrecadação. Pergunte, caro ouvinte, à primeira pessoa que ver na rua, se o governo realmente tenta proteger ou se ele quer, em verdade, arrecadar mais. Se a resposta for a primeira opção, então a pergunta do título do presente artigo está respondida.

Paulo Henrique Teixeira nos lembra em seu artigo intitulado: “Inconfidência mineira e a realidade fiscal brasileira” que: “Tiradentes foi executado pela Coroa Portuguesa, pelo motivo de que se revoltou contra a cobrança do quinto e a prática da derrama. O quinto era um imposto de 20% sobre todo o ouro produzido no Brasil. A derrama correspondia à cobrança violenta dos impostos em ‘atraso’ dos cidadãos, fossem ou não devedores de fato.”

Hoje, pagamos quase um terço do que produzimos, pagamos duplamente se quisermos ter saúde de qualidade, duplamente se quisermos educar nossos filhos, duplamente se quisermos ter segurança. As revoluções, portanto, não explodem justamente por que estamos nos tornando mais conformistas e apertando os cintos quando eles nos mandam fazê-lo...

Referências:

https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa

https://theconversation.com/we-live-in-a-world-of-upheaval-so-why-arent-todays-protests-leading-to-revolutions-126505

https://www.portaltributario.com.br/artigos/realidadefiscal.htm#:~:text=INCONFID%C3%8ANCIA%20MINEIRA%20E%20REALIDADE%20FISCAL%20BRASILEIRA&text=Em%2021%20de%20abril%20de,o%20ouro%20produzido%20no%20Brasil.

https://humanprogress.org/how-we-are-beating-hunger-in-5-graphs/

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/09/venezuela-lanca-plano-nacional-para-desarmamento-de-civis.html