Pablo Marçal e seu Condomínio Seletivo: um modelo anarcocapitalista?

O famoso empresário e coach, Pablo Marçal, que deu polêmica nas eleições passadas, aparece na mídia mais uma vez com seu condomínio de luxo que terá futuros moradores selecionados a dedo pelo influenciador. Seria um modelo para os libertários?

O anúncio de um novo condomínio de luxo no interior de Goiás não teria chamado tanta atenção se não fosse por um detalhe que rompe com as convenções usuais do mercado imobiliário: para morar ali, não bastará ter dinheiro, será preciso ser aprovado em um processo seletivo. A proposta vem de Pablo Marçal, influenciador digital, empresário e figura política que se destacou nas eleições de 2024 para prefeitura de São Paulo, por seu estilo combativo, linguagem motivacional e visão de mundo voltada para o empreendedorismo individual. O projeto, batizado de Riviera da Comenda, está sendo erguido na cidade histórica de Pirenópolis, a cerca de 150 quilômetros de Brasília. Esse condomínio contará com apenas 30 unidades residenciais em meio a uma estrutura que promete oferecer muito mais que conforto e segurança: o objetivo é criar uma comunidade “com propósito”, onde os moradores compartilhem valores semelhantes. Algo que, nós, libertários, sempre defendemos como o modelo de associação voluntária num ambiente privado entre habitantes.
A proposta rapidamente se espalhou nas redes sociais e na imprensa. De um lado, elogios entusiasmados à inovação e à coragem de ousar em um mercado geralmente conservador. De outro, críticas ácidas a um suposto elitismo, acusando o projeto de promover segregação social disfarçada de alinhamento de valores - infelizmente sempre tem os invejosos de plantão. O próprio Marçal fez questão de deixar claro que o fator financeiro não será suficiente para garantir uma vaga. “Não é seu dinheiro que faz você entrar aqui. Você precisa ser selecionado para estar aqui”, disse ele. A seleção envolverá o preenchimento de um formulário com perguntas sobre o perfil profissional, motivação para morar no local, estilo de vida e afinidades com os princípios do condomínio. Em outras palavras, o morador ideal é alguém que não apenas pode pagar, mas que também se encaixa na “visão de mundo” do projeto.
A iniciativa é resultado de uma parceria entre Marçal e o ex-BBB Yuri Fernandes, e o condomínio não economiza em infraestrutura e exclusividade. Entre os atrativos, há uma pista de pouso para jatinhos particulares, trilhas privativas às margens do rio Tapiocanga, muros altos, academia equipada, praças, playgrounds e uma estrutura de segurança 24 horas. A proposta remete à ideia de “aldeias de valor”, um conceito popular entre empreendedores digitais que buscam replicar ambientes onde as pessoas possam viver, trabalhar e consumir dentro de uma mesma rede de afinidades. Em tese, seria um ambiente idealizado, onde não há conflitos ideológicos e vizinhos problemáticos.
Mas, como é comum em projetos de forte apelo ideológico, o lançamento provocou polêmica. As críticas se dividiram em várias frentes. Algumas centraram-se na suposta arrogância de determinar quem é ou não “digno” de morar no local. Outras colocaram em xeque a legalidade ou mesmo a viabilidade comercial do modelo, argumentando que processos seletivos para compra de imóveis podem esbarrar em princípios de impessoalidade e até em interpretações tortas da legislação antidiscriminatória. E houve ainda os que simplesmente zombaram do conceito, tachando-o de marketing motivacional travestido de empreendimento imobiliário. Mas as pessoas adoram esquecer que o conceito de propriedade privada implica em exclusão e discriminação, afinal, as pessoas só aceitam quem quer em suas casas. Do contrário, a propriedade não seria privada, mas de livre acesso. E se o governo tem poder de ditar quem pode morar em determinado condomínio ou casa, ele não é mais uma propriedade privada, mas uma concessão estatal.
Do ponto de vista jurídico, no entanto, não há nada de ilegal na proposta, ao menos sob a ótica contratual. No Brasil, um condomínio privado pode, em tese, condicionar o ingresso de novos moradores a certos critérios, desde que esses critérios não violem leis específicas – por exemplo, cláusulas que excluam explicitamente pessoas com base em raça, religião, orientação sexual ou outras categorias protegidas por lei. No caso de Marçal, os critérios parecem ser amplamente subjetivos e pautados em afinidades filosóficas e comportamentais, o que, por si só, não representa uma ilegalidade segundo as leis brasileiras, embora seja algo incomum no mercado residencial urbano tradicional.
Além disso, a proposta deve ser compreendida dentro do contexto do público-alvo. O condomínio está sendo direcionado a um grupo relativamente restrito de pessoas, geralmente com alto poder aquisitivo, alinhadas a valores de performance, meritocracia, fé cristã e empreendedorismo. O próprio marketing do projeto é voltado a quem se identifica com a filosofia “libertadora” defendida por Marçal, que prega a autonomia individual, a rejeição ao vitimismo e a construção de riqueza por mérito próprio. Nesse sentido, não se trata de um condomínio para “todos”, mas para um nicho muito específico – o que explica, em parte, o processo seletivo. Em vez de tentar atrair o maior número possível de compradores, como ocorre nos lançamentos imobiliários convencionais, o Riviera da Comenda quer selecionar quem compartilha o estilo de vida e as crenças que o projeto representar.
Outro ponto de debate é a relação entre o modelo proposto por Marçal e o atual estágio do mercado imobiliário no Brasil. O país atravessa um ciclo de recuperação após os impactos da pandemia e da alta de juros, e há uma busca constante por diferenciação de produto. Imóveis com identidade própria, voltados para nichos bem definidos, têm ganhado espaço em capitais e cidades turísticas. Condomínios com temática religiosa, ecológica, tecnológica ou mesmo voltados para públicos com interesses comuns já existem em vários estados. O que diferencia o Riviera da Comenda é a ênfase no “filtro humano”, ou seja, a triagem subjetiva de quem será ou não admitido, mesmo podendo pagar, o que torna o lugar mais cobiçado ainda.
Essa escolha carrega riscos comerciais evidentes. Ao limitar o universo de compradores, o projeto se expõe a uma eventual dificuldade de atingir liquidez no mercado. Além disso, a subjetividade dos critérios pode gerar questionamentos internos – por exemplo, o que acontece se alguém for rejeitado mesmo tendo dinheiro, bons antecedentes e ficha limpa? Quem julga se o candidato “tem os valores certos”? Marçal e sua equipe ainda não esclareceram esses pontos, o que deixa margem para dúvidas legítimas. Entretanto, é preciso reconhecer que o próprio Marçal é, ele mesmo, um especialista em construir e manter audiências fiéis. Seus cursos, programas e mentorias já movimentaram milhares de seguidores, e muitos deles se veem como parte de um movimento. É nesse sentido que o empreendimento deve ser compreendido: menos como um projeto tradicional e mais como a materialização de uma comunidade que já existe no plano simbólico.
Do ponto de vista da ética libertária, a proposta é inteiramente defensável. A filosofia libertária parte do princípio da autopropriedade dos indivíduos sobre si e da soberania dos contratos. Se um indivíduo detém uma propriedade e deseja vendê-la ou compartilhá-la apenas com quem desejar, essa decisão é moralmente legítima, desde que não envolva coerção ou violação de direitos de terceiros. Nesse sentido, Marçal está apenas exercendo seu direito de propriedade e sua liberdade de associação. Ele não está impedindo ninguém de morar em Pirenópolis, nem expropriando imóveis alheios. Está apenas dizendo que, no pedaço de terra que é dele (ou de sua empresa), só entrará quem ele quiser.
Isso pode soar antipático para alguns, mas não é imoral. Pelo contrário, trata-se de uma expressão prática do princípio da não agressão: Marçal não está invadindo propriedade alheia, não está forçando ninguém a comprar sua ideia, nem impedindo terceiros de criarem seus próprios projetos alternativos. Está simplesmente escolhendo com quem deseja estabelecer contratos privados e relações de proximidade, em um ambiente de troca voluntária. Isso é ética libertária aplicada, e toda sociedade libertária e anarcocapitalista seria baseada nesse tipo de associação pacífica e contratual.
De toda forma, é preciso deixar claro que o libertarianismo não garante sucesso; garante liberdade. Se o projeto fracassar, o prejuízo será de quem o financiou, e não de terceiros. Se der certo, será porque conseguiu criar valor para um público que realmente vê sentido na proposta.
Além disso, o modelo proposto por Marçal levanta discussões interessantes sobre a viabilidade de comunidades voluntárias em ambientes urbanos. Desde os anos 1970, teóricos libertários como Robert LeFevre, David Friedman e até mesmo Murray Rothbard discutiram modelos de “cidades privadas” ou “comunidades contratuais”, onde todas as interações são regidas por acordos voluntários. Na prática, o que Marçal propõe é uma versão inicial e limitada disso: um condomínio onde os moradores compartilham não apenas espaço físico, mas também uma cosmovisão sobre a vida. Pode parecer utópico, mas reflete um desejo real de muitas pessoas por ambientes mais controlados, previsíveis e afinados com suas crenças. Conhecemos muito bem os casos de brigas e discordâncias de vizinhos e moradores de um mesmo condomínio, e como esses desentendimentos levam, muitas vezes, a finais trágicos. Nada melhor do que conviver com pessoas que se parecem com você, e que todos estejam dispostos a respeitar as regras do local.
É importante também notar que, ao propor um modelo de comunidade filtrada por valores, Marçal desafia uma lógica dominante no urbanismo moderno, onde a diversidade forçada é muitas vezes imposta pelo governo e suas leis. Projetos como o Riviera Da Comenda representam, em essência, o que Hayek chamaria de ordem espontânea: a coexistência pacífica de múltiplas ordens baseadas em regras privadas, sem necessidade de imposição centralizada e de engenheiros sociais ditando tudo de cima pra baixo.
A experiência desse condomínio seletivo do Pablo Marçal, por mais polêmica que seja, traz um frescor ao debate sobre urbanismo, propriedade e convivência social no Brasil, e como podemos evoluir nossas ideias nesse campo. Em um país onde o Estado costuma ser o mediador compulsório de todas as relações humanas, a proposta de Marçal – com todos os seus riscos, exageros e limitações – é um lembrete de que soluções descentralizadas são possíveis. É bom ver comunidades serem construídas a partir da cooperação voluntária e defendemos que a liberdade de associar-se (ou não) é um valor civilizacional que merece ser protegido. No final, o mercado dirá se a ideia tem futuro ou não; se continuará tendo alta demanda ou se irá fracassar. Mas, do ponto de vista da liberdade individual, o simples fato de que essa iniciativa de condomínio seletivo possa ser tentada já é um grande avanço.

Referências:

https://www.poder360.com.br/poder-gente/marcal-lanca-condominio-em-go-com-processo-seletivo-para-moradores/

https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/mar%C3%A7al-lan%C3%A7a-condom%C3%ADnio-de-luxo-em-cidade-hist%C3%B3rica-com-processo-seletivo-para-moradores/ar-AA1EdrAp?ocid=BingNewsSerp

https://ojornalextra.com.br/noticias/estadao-conteudo/2025/05/76064-marcal-lanca-condominio-de-luxo-com-processo-seletivo-para-moradores

https://www.band.com.br/noticias/marcal-lanca-condominio-de-luxo-em-cidade-historica-com-processo-seletivo-para-moradores-202505051836

https://www.youtube.com/watch?v=9r_x_BQGZOU