Aterrassalto é o pouso seguido de saque. Uma nova palavra que acaba de ser desbloqueada no Ceará.
Os dicionários de língua portuguesa não estavam preparados para a situação surpreendente que alguns indivíduos protagonizaram no Ceará. Ao contrário do latrocínio, que é o roubo seguido de morte, o que algumas pessoas que estavam à bordo de um helicóptero no último dia vinte de novembro vivenciaram foi, primeiro, o risco de morte e depois o roubo.
Um piloto e mais três passageiros de um helicóptero sobrevoavam um campo de futebol no distrito de Palmatória, em Itapiúna no Ceará, cidade que fica a cento e dez quilômetros de Fortaleza. A aeronave fazia o trajeto que partiu de Fortaleza com destino a Iguatu, na região centro-sul do estado. A viagem, que ocorria numa quinta-feira, tinha tudo pra ser tranquila e até mesmo divertida, por quê não? Afinal de contas é um passeio de helicóptero. Infelizmente as quatro pessoas passaram momentos de terror quando subitamente, por motivos técnicos ainda não revelados pelas autoridades competentes, o veículo passou a apresentar problemas e precisou de uma aterrisagem de emergência.
Não é incomum que situações como essa resultem em tragédias fatais. Felizmente o piloto conseguiu controlar a aeronave e pousar no meio do campo de futebol. A alegria, porém, durou pouco. Poucos momentos após a aterrissagem e estabilização no solo, e antes que todos pudessem processar completamente o que tinha acontecido com eles, um grupo de criminosos, se aproveitando do momento de fragilidade da situação, aproximaram-se do helicóptero e inauguraram a modalidade ATERRASSALTO, pouso seguido de saque. Eles rapidamente levaram os pertences de todos à bordo e fugiram em uma motocicleta. Sim, os dois homens em uma moto estão assaltando até mesmo helicópteros. A que ponto chegamos!
Por sorte, os policiais, ao serem acionados, agiram rápido e conseguiram reaver os objetos pessoais e também a motocicleta usada na fuga, algo que não ocorre na imensa maioria dos roubos no Brasil. A identidade dos que estavam à bordo não foi revelada, mas provavelmente quem faz um voo de cerca de 350 quilômetros de helicóptero não é um membro das classes mais baixas da população. No fim das contas talvez não tenha sido por sorte que a polícia agiu de imediato e conseguiu reaver os pertences. Nunca saberemos.
O fato é que, com uma população de 17.841 pessoas no último censo de 2022 do IBGE, Itapiúna tinha tudo pra ser uma cidade pacata do interior do Ceará. A região nordeste, do qual esse estado faz parte, é descrita no Atlas da Violência do IBGE como "a mais violenta do Brasil". Nele é revelado que, ao contrário do que costuma ocorrer em outras regiões, diversos estados ali apresentaram altas taxas de homicídio justamente no interior, citando o Ceará e outros quatro em que isso foi observado. A situação é tão crítica que, mesmo com menos de seis mil habitantes, a cidade de São João do Guaribe, por exemplo, registrou catorze homicídios em 2022, resultando em uma taxa de 239,1 - índice mais que seis vezes maior que o do estado. Na região, apenas a Bahia supera o Ceará nesse tipo de crime violento. O problema por trás dessa tragédia é o mesmo em todo Brasil: as facções criminosas. Quatro delas atuam no estado, de acordo com o relatório. Além dos conhecidos Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital, há ainda os Guardiões do Estado e o Massa Carcerária, também conhecido como Tudo Neutro.
O motivo que faz prosperar esses grupos terroristas tanto no Ceará, assim como outros grupos no Nordeste como um todo, não pode deixar de ser correlacionado com os sucessivos governos esquerdistas que comandam a região há várias décadas. É como se diz no meio administrativo: Só há um motivo real para algo não ter sido feito, é que não houve vontade o suficiente pra se fazer. Se hoje a criminalidade impera até mesmo em cidades fora dos grandes centros urbanos, que deveriam ser refúgios desse tipo de problema, é porque houve leniência e, arrisca-se a dizer, conivência com essa prática.
De fato, para os libertários, o problema vai além. Quando o estado é imposto sobre as pessoas, em lugar de ser uma relação de livre escolha do indivíduo, os incentivos dificilmente levam a melhoria das questões que realmente importam para o cidadão. Quando uma relação é abusiva e mantida com base na violência contra pessoas pacíficas, não há interesse em atender nenhuma reivindicação. Faz-se a vontade apenas dos ricos e dos que já estão no poder, sempre com objetivo de se obter mais dinheiro e mais poder.
Se você observar com cautela, vai ver que esse modus operandi é muito similar às máfias e facções criminosas. Não à toa, diz-se no meio anarcocapitalista que essas organizações são protoestados. Elas buscam controlar um território, com base na violência, a fim de impor suas regras e cobrar recursos de diversas formas da população pacífica que ali mora e que passa a ser refém deles. O pagamento do que é cobrado é apenas para que você seja protegido deles mesmos, ou seja, é como se diz no direito: um roubo mediante grave ameaça. Por isso se consagrou o lema "imposto é roubo e o estado é uma máfia". Porque se você despir o estado das fantasias de que ele é feito pelo povo e para o povo, se você enxergar para além da hipocrisia do chamado contrato social, se não ficar sendo ludibriado pelos símbolos, brasões, hinos e outras firulas criadas para dar uma falsa sensação de legitimidade, vai perceber que o que sobra não é muito diferente de uma máfia, de uma organização criminosa, com o único objetivo de parasitar pessoas pacíficas que estejam dentro do território que estas dominam.
É por isso que muitas vezes há leniência e conivência com as facções: eles não são tão diferentes entre si. São no máximo concorrentes da facção maior estatal. Não à toa, para alguns governos, acaba valendo à pena fazer acordos com os "comandos" através de um "diálogo cabuloso". Eles falam a mesma linguagem. O que é interessante perceber é que, em vista disso tudo, a solução dos libertários de governos privados não é algo de outro mundo. Toda a dinâmica de competição e acordos entre esses entes já é algo que acontece, com a diferença que passaria a ser algo voluntário, uma relação pautada na ética e não na imposição. Perceba também como que toda a crítica que se faz a esse modelo, como a de que se tornaria uma competição de máfias numa terra em que a lei não funciona para os ricos e poderosos, na verdade é algo que acontece justamente hoje, no modelo que vigora atualmente.
Governos privados serão um avanço civilizatório, uma democracia 2.0 se você preferir chamar assim. Em um mundo com polarização crescente em que todas as pessoas vivem em bolhas, ter um governo imposto pela violência no qual, de quatro em quatro anos, as pessoas brigam pra ter cinquenta por cento mais um dos votos pra poder oprimir os outros cinquenta por cento menos um, é simplesmente uma insanidade. Nem as pessoas nesses cinquenta por cento concordam umas com as outras, elas só estão escolhendo o que eles pensam ser o mal menor. Isso pode ter funcionado até alguns anos atrás, mas não funciona mais na era da informação descentralizada e distribuída.
Precisamos defender um modelo melhor, mais ético, mais justo, e que realmente atenda às necessidades das pessoas. Da forma que funciona hoje, os incentivos são para que os piores prosperem: os mais mentirosos, mais corruptos, mais violentos são quem tem vantagem no sistema atual. E é por isso que situações cada vez mais esdrúxulas como essa do ATERRASSALTO continuam a acontecer. Ficamos reféns dos criminosos e eles vão sendo cada vez mais ousados em tomar o que querem para si. Mas e aí, qual o próximo absurdo a acontecer? Qual nova modalidade de golpe ou de assalto surgirá amanhã? Você arriscaria dizer? Se sim, qual nome você daria? O ATERRASSALTO, pouso seguido de saque, foi batizado primeiro aqui no Visão Libertária.
"IBGE - Cidades e Estados: Itapiúna". Disponível em https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ce/itapiuna.html
"Atlas da Violência 2024 - Municípios". Disponível em https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/9277-atlasviolencia2024retratodosmunicipiosbrasileros.pdf