Jogos Vorazes: a busca pelo poder e a verdadeira liberdade

A adaptação cinematográfica da prequela de Jogos Vorazes de 2020, que coloca o vilão original como protagonista, está aqui e é mais do mesmo. Será?

Descrito como o sonho molhado de um libertário tornado realidade, a série Jogos Vorazes tem uma ampla gama de fãs. O que parecia uma ideia revolucionária para muitos, acabou não sendo nada de novo no final. Agora, com base no romance de 2020, o público do cinema está sendo transportado de volta a Panem.


A história retrocede mais de 60 anos para explorar a ascensão ao poder de Coriolanus Snow (interpretado por Tom Blyth) e sua relação com a tributo do Distrito 12, Lucy Gray Baird (interpretada por Rachel Zegler). Infelizmente, a trama cai nas mesmas armadilhas que marcaram o restante da série, com detalhes intricados e aparentemente inconsequentes resultando em uma confusão narrativa.


A construção expansiva do mundo, elogiada por muitos, é obscurecida por detalhes que prejudicam a lógica da história.
Como todos sabemos, fazer um filme com base em um livro nunca terá a veracidade e o imaginário do original. No entanto, quando o diretor do filme decide reduzir para duas horas uma produção que deveriam ser dois filmes, você já pode imaginar quais foram as críticas da grande mídia.


Veremos o que diz o portal de notícias G1: "Mesmo com todas essas qualidades, 'Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes' possui alguns erros que não podem ser desprezados. O principal deles é seu ritmo inconstante, que se alterna entre momentos dinâmicos e outros arrastados demais."

THE WALL STREET JOURNAL - “Os leitores que gostaram dos detalhes da criação dos jogos de gladiadores na trilogia encontrarão todo tipo de explicação satisfatória para o motivo pelo qual as coisas se desenvolveram daquela maneira. (…) Tenho a sensação de que a sra. Collins estava com pressa de chegar à conclusão precipitada da obra. Há um momento no romance em que Coriolanus se descreve como ‘uma marionete sendo sacudida para lá e para cá por cordas invisíveis’. Essa é uma descrição muito boa do que acontece ao leitor deste livro exaustivo, já um best-seller.”


Além das análises críticas da grande mídia, muitos tem se questionado se estamos vivendo numa sociedade parecida com Jogos Vorazes.
Desde o crescente aumento do poder policial do estado, até a regulamentação excessiva do governo e a dessensibilização da cultura por meio da mídia de massa, a América moderna e a fictícia Panem compartilham qualidades que, de fato, ameaçam tanto a liberdade quanto a qualidade de vida.
Se o poder corrompe, eles questionam, então o que dizer do poder absoluto? Isso soa algo familiar? Episódios que mostram mortes desnecessárias devido a julgamentos shows?


Então, como forma de ajudar a expandir e construir um senso crítico, aqui vão algumas dicas sobre os filmes da saga Jogos Vorazes, incluindo o último lançado.


O importante para quem assistiu ou irá assistir é analisar o filme de uma perspectiva em que pessoas poderosas podem fazer coisas terríveis em nome da democracia e da ordem.


A lição mais enfatizada é que as instituições e governos se corrompem pelo poder, e sempre haverá aqueles sem escrúpulos morais dispostos a assumir o controle e querer mais poder.
Jogos Vorazes não é apenas uma série de filmes populares para jovens adultos ou uma história de fantasia sobre o heroísmo de uma jovem. É muito mais sofisticado do que isso: é uma alegoria política, uma das mais conhecidas de nosso tempo, sobre poder e as complicações de sua transferência.
Dessa forma, ele aborda o mesmo terreno intelectual que obras como "Política" de Aristóteles, "O Príncipe" de Maquiavel e "O Poder" de Jouvenel, mas de uma maneira mais penetrante para leitores e espectadores, e especialmente relevante para nossos tempos.


A última parte é um final apropriado e dramático para a história. Ela lida com o maior conflito da história, aquele entre liberdade e poder. Aqueles que acompanharam a história até o último filme podem ter pensado que o problema era bastante claro.
Um homem, o Presidente Snow, detinha todo o poder. Ele era cruel e usava todos os meios para mantê-lo. Ele estava no centro de uma cidade capital que saqueava os distritos de recursos e mantinha o poder através do medo.


Se esse fosse todo o problema, a solução seria clara: o Presidente Snow teria que ser morto. Com a fonte do problema fora do caminho, tudo ficaria bem.
Essa era a visão da heroína Katniss Everdeen na maior parte da série. E pode-se entender por que ela acreditaria nisso. Snow era uma figura horrenda e era pessoalmente responsável por imensa crueldade e crimes. Ele merecia ser derrubado e a justiça prevalecer.


O problema de criar um mundo sem poder, então, é mais complicado do que derrubar o autocrata existente. Em toda situação revolucionária, aqueles mais motivados a alcançar o objetivo são aqueles que buscam deter o poder. Enquanto existir a máquina de violência legal, haverá aqueles que buscam controlá-la - e, como Hayek disse, são geralmente os piores que chegam ao topo. Portanto, não são apenas aqueles que governam, mas também aqueles que buscam governar que constituem uma ameaça à liberdade. É assim que a existência de estados-nação poderosos acaba criando várias camadas de perigos.


Katniss aprendeu a grande lição da história: não são apenas déspotas que precisam ser mantidos à distância, mas também aqueles que mais apaixonadamente buscam derrubar déspotas. Para realizar a liberdade, é preciso mais do que apenas aversão àqueles no comando; é necessário o surgimento do amor pela verdadeira liberdade.


Então, o que esperar do último filme lançado?
Segundo uma leitora, a obra "Cantiga dos Pássaros e das Serpentes é incrivelmente emocionante, instigante e relevante. Collins faz perguntas vitais através de seus personagens. O que realmente significa ganhar uma guerra? Quantas gerações deveriam pagar por atos ocorridos antes de seu nascimento? Como decidimos o que é ‘certo’ diante de consequências conflitantes?"


Portanto, você sabendo que o personagem principal se tornará um ditador e levará tributos às arenas, tente enxergar A República de Platão no surgimento desse ditador. Ou como eram as histórias dos Gladiadores na Roma Antiga.


Platão aborda temas como a justiça, a política e a natureza humana. Para Platão, a sociedade ideal era governada por filósofos-reis, pessoas extremamente sábias e virtuosas. Ele acreditava em uma estrutura hierárquica na qual cada indivíduo desempenhava um papel específico com base em suas habilidades e natureza.
A liberdade individual não era o foco principal de sua filosofia; em vez disso, ele valorizava a ordem, a harmonia e a busca da verdade. No entanto, fica aqui alguns questionamentos: Numa sociedade sem liberdade, será possível haver uma genuína busca pela verdade sem a liberdade? Afinal, se um ditador controla a produção literária e jornalística, além de ter poder de censura e polícia, como garantir uma autonomia individual para se pensar?


Platão também era crítico da democracia ateniense de sua época, acreditando que ela poderia levar à instabilidade e à tirania da maioria. Em A Teoria das Ideias, a central argumentação é que as coisas que percebemos no mundo sensível são apenas cópias imperfeitas das Formas eternas e imutáveis. A justiça, a beleza e outras qualidades essenciais existem como ideias puras. A Teoria das Ideias sugere que a verdade está no Reino das Ideias, mas, na prática política, líderes autoritários podem desviar da verdade, manipular a informação e distorcer a realidade para consolidar seu controle. Platão frequentemente alerta sobre os perigos da ambição desmedida e do conflito de interesses na busca do poder.


A raiz latina de "gladiador" é "gladius", que significa "espada". Gladiadores (homens da espada) eram combatentes armados com espadas, mas também com lanças, adagas e redes. Eles lutavam nas arenas da República Romana tardia e durante a grande maioria do período do Império Romano.


O mais famoso de todos os gladiadores romanos foi Spartacus. Os espetáculos mais sangrentos nas arenas romanas, sendo o Coliseu o mais conhecido, não envolviam os gladiadores profissionais. Os combatentes nesses casos eram prisioneiros de guerra ou criminosos condenados à morte. Outros eram escravos forçados a lutar até o último suspiro, não apenas contra outros, mas frequentemente contra animais selvagens, incluindo leões, tigres e ursos. Mas havia brechas para que homens livres escolhessem voluntariamente essa vida perigosa, buscando por fama, glória e fortuna.


Curiosamente, os jogos gladiatórios foram iniciados como ofertas sacrificiais que acompanhavam funerais. Acreditava-se que o sangue derramado por escravos e cativos honrava a morte dos líderes do estado com a união transcendente da multidão. Com cada uivo lastimável de animal e grito humano, os cidadãos sentiam-se envolvidos como um corpo único, satisfeitos coletivamente e aliviados das rivalidades e ressentimentos mundanos.


Mas essas são algumas das referências e você pode ver simbolismos e outras analogias.
A mensagem fundamental da saga é a necessidade de um amor pela verdadeira liberdade, indo além da simples aversão aos governantes. A última obra, "Cantiga dos Pássaros e das Serpentes", continua a explorar questões cruciais através de seus personagens, levantando indagações sobre o significado de ganhar uma guerra e as consequências de decisões em meio a conflitos morais.

Em última análise, a saga Jogos Vorazes continua a ser mais do que uma série de filmes populares, transcendendo para uma discussão profunda sobre poder, liberdade e as complexidades da transferência de poder. A história, inspirada por eventos históricos e filosofias clássicas, oferece uma reflexão relevante para os desafios contemporâneos e destaca a importância de questionar e compreender as complexidades do poder em todas as suas formas.

Enfim, nosso objetivo aqui não é classificar o filme como bom ou ruim, mas sim analisar de várias perspectivas além daquela ditada pela mídia tradicional. Desejo a todos um bom filme e nos contem aqui nos comentários o que acharam!

Referências:

https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2023/11/15/jogos-vorazes-a-cantiga-dos-passaros-e-das-serpentes-e-retorno-irregular-a-distopia-g1-ja-viu.ghtml
https://clutchpoints.com/the-hunger-games-the-ballad-of-songbirds-snakes-tom-blyth-rachel-zegler-2023-movie-review
https://www.adorocinema.com/filmes/filme-258080/criticas-adorocinema/
https://fee.org/articles/katniss-vs-power-the-hunger-games-finale/