O problema não é o canal, a ferramenta ou o aplicativo. O problema sempre foi e sempre será o conteúdo.
De acordo com matéria da Veja veiculada em 01 de setembro, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, conhecida pela sigla ABDI, informou que realizará uma licitação para contratar um serviço de troca de mensagens por celular. Ricardo Capello, presidente da agência, afirma que a solução deverá ser parecida com o WhatsApp, com a diferença de que será restrito aos servidores da agência, e, se tudo for conforme as expectativas, poderá ser utilizado por demais órgãos federais.
O WhatsApp permite que os usuários façam chamadas de voz e vídeo, enviem mensagens de texto, áudio, imagens e gifs mutuamente. É popular em todo o mundo sendo usado por mais de 1,5 bilhão de pessoas em mais de 180 países. Por aqui, é o aplicativo de mensagens mais utilizado, sendo disponível para todos os sistemas operacionais de smartphones. É uma plataforma segura e confiável, que garante a proteção dos dados dos usuários, já que todas as mensagens são criptografadas de ponta a ponta, o que significa que somente os envolvidos têm acesso ao conteúdo.
Quando foi a última vez que alguém te ligou de modo convencional, sem ser uma ligação de central de atendimento, marketing ou do presídio? Isso praticamente não existe mais, pois a maioria das conversas são feitas utilizando este aplicativo. Até mesmo o próprio e-mail vem sendo substituído, visto a dinâmica e a facilidade de utilização do WhatsApp. Com todas essas vantagens e devido ao uso disseminado do aplicativo no Brasil, não é de se espantar que integrantes e auxiliares do governo federal se utilizem dessa ferramenta em suas atividades profissionais.
Mas apesar de todos os benefícios, do know-how e da segurança dessa ferramenta, o serviço não atende aos requisitos governamentais. Por que será? Parece que os asseclas estatais não se preocupam nem um pouco com o conteúdo, mas com a possibilidade de vazamento de esquemas que antes eram tratados na surdina. Os aspectos legais do conteúdo das mensagens não importam muito. Se são fraudulentos, se são para combinar desvio de dinheiro público, tratar da produção de relatórios que embasam decisões judiciais já tomadas contra desafetos ou contra divergentes políticos. Isso tudo é um mero detalhe.
O importante é manter o sigilo, até porque se a população descobrir essas mensagens haverá manifestações e críticas contra os asseclas, sendo isso um tanto quanto inconveniente. Dar entrevistas distorcendo as informações, passar pano nas ações criminosas, contratar um pouco mais de publicidade da velha imprensa, enfim, é um saco, e é claro que os governantes não querem isso. O que menos precisam é de críticas. Gostam mesmo de um povo submisso e alheio ao funcionamento da máquina pública e dos aliados. Isso é o suficiente para a manutenção da democracia pulsante, e as suas verdades são as únicas que importam.
Contudo, eles não compreendem que o problema não é a ferramenta, mas o ato em si. Perceba que não foi um hack, ou um Backdoor instalado no dispositivo de algum dos usuários que deu início a Vaza Toga. É bem provável que alguém no esquema não tenha gostado de alguma ação ou falta dela, e consequentemente quis cair atirando. É aquela máxima que vemos em vários momentos da história: posso até cair, mas levo comigo todos que puder. A utilização de um aplicativo estatal pouco conhecido, não irá mitigar estes problemas. Talvez fique mais fácil saber quem foi o responsável pelo vazamento das informações, mas isso, cedo ou tarde, todo mundo sabe. Além disso, ferramentas que não são abertas ao público, pelo simples fato de ter uma quantidade muito menor de usuários, está fadado a ter problemas de segurança. Ou seja, os asseclas do governo, por não entenderem conceitos básicos de desenvolvimento e manutenção de software, provavelmente migrarão para alguma aplicação que tenha uma quantidade de bugs e brechas de segurança muito maiores do que a ferramenta atual. Isso significa que o governo continua a fazer aquilo que sabe bem, ser ineficiente em tudo que coloca a mão.
Ao invés de coibir ações maléficas, como vemos no conluio para atacar desafetos políticos, eles acharam que o melhor é desenvolver a própria tecnologia, que chamaremos aqui de Zapluli, para ter um maior controle das mensagens trocadas entre os integrantes do regime da democracia da mula de nove cascos. Afinal de contas a comunicação é feita de pessoa para pessoa, o meio, neste caso o WhatsApp, é somente uma ferramenta. Eles ainda acreditam que o problema maior é a tecnologia, e não as pessoas que a utilizam. Esquecem que o maior problema da área de Tecnologia da Informação, é a pecinha que fica entre o teclado e a cadeira.
Combater essas atitudes ilícitas não tem importância, elas são normais, segundo aqueles que estão no governo. O importante é que a população não descubra esses atos, afinal, ninguém precisa saber. É provável que no levantamento dos requisitos do Zapluli, haja a obrigatoriedade que a solução disponibilize um botão de pânico, que apagará todas as mensagens imediatamente sem que seja possível recuperá-las. Outro requisito que não pode faltar ao Zapluli é a possibilidade de se aplicar remotamente o botão de pânico, muito necessário caso seja identificado que servidor não é mais confiável, ou que se encontra em uma situação que pode ocasionar o vazamento das suas mensagens comprometedoras.
Assim, os ativos de conhecimento pessoal, iriam ser levados pelo vento, impossibilitando que a polícia ou jornalistas utilizassem essas informações para mostrar os mandos e desmandos, crimes, acordos e rachadinhas que pudessem ser encontradas nas mensagens do Zapluli. Exagerado isso? Pode até ser, mas se impedir o vazamento de informações não fosse mais importante do que o fato de haver essas informações, por que os asseclas se preocupariam tanto em apurar o vazamento, mas não em averiguar a licitude do conteúdo vazado?
Imagino que a empresa que ganhará a licitação, gastará milhares de horas para desenvolver o Zapluli nos moldes que os bandidos estacionários querem. Afinal, até o momento, não há solução minimamente funcional que eles acreditem ser boa o suficiente para ser dada como ferramenta oficial. Agora, sabendo a qualidade dos produtos e serviços governamentais, imagino o desempenho desta solução.
Uma ligação urgente demorará três dias úteis para tocar para o destinatário. Os novos usuários terão que fazer um cadastro para acessar a ferramenta. Entretanto, ao realizarem tal ação, será provavelmente informado que já possui um cadastro. A opção de resetar a senha não existirá, e o suporte para os usuários será provavelmente de cinco dias úteis. Além disso, os usuários que não puderem ter mais acesso à ferramenta, continuarão acessando por anos. Tudo isso, logicamente, com um custo de algumas dezenas de milhões de reais, subtraídas de maneira coercitiva dos indivíduos da sociedade brasileira. E se acham que estou exagerando, lembre-se que tudo isso falado aqui é apenas um reflexo de uma empresa pública federal que muitos aqui conhecem: a boa e velha Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Enfim, seria cômico, se não fosse trágica essa notícia do Zapluli. Os custos para o desenvolvimento será na casa dos milhões, terá uma pequena fatia de funcionalidades que soluções semelhantes possuem e ainda por cima, funcionará bem meia boca. Isso quando funcionar, afinal, lembremos das inúmeras vezes que o PIX estava fora do ar. Mas mesmo se tudo estiver perfeitamente funcional, nada mudará. Afinal, o maior problema nunca será a ferramenta, mas aqueles que a utilizam. O ser humano é o elo mais fraco quando se trata de segurança e privacidade.
https://veja.abril.com.br/brasil/governo-lula-quer-desenvolver-whatsapp-nacional/mobile
https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/deltan-dallagnol/8-diferencas-entre-vaza-jato-e-vaza-toga/?ref=veja-tambem