Novo jogo Content Warning e a rede social Libertária

As redes sociais são o principal palco de polêmicas dos últimos anos. Mas como esse ambiente tão disruptivo continua livre das amarras do estado? O jogo Content Warning nos traz uma breve reflexão sobre o assunto.

Inspirado fortemente no grande sucesso de 2023, Lethal Company, o novo jogo Content Warning caiu nas graças do público por sua premissa no mínimo inusitada. Nesse jogo, você e mais três amigos são aspirantes a criadores de conteúdo para uma rede social chamada SpookTube, uma plataforma focada em vídeos assustadores.


Durante a gameplay, os jogadores deverão embarcar em uma nave espacial rumo ao chamado Old World, onde lá eles entrarão em uma espécie de fábrica abandonada, em busca de coisas assustadoras para filmar. Durante sua estadia no Old World, vocês irão se deparar com criaturas bizarras que tentarão e por vezes conseguirão te matar. E como se não fosse o bastante, vocês também deverão tomar o cuidado de retornar para a nave antes que o oxigênio de seus trajes acabe. Caso alguém do grupo consiga voltar com a gravação, esse membro junto dos demais jogadores, que terão voltado a vida, poderão editar o vídeo e postá-lo no SpookTube.

Tal como em Lethal Company, os jogadores têm um prazo de três dias para atingir uma meta, sendo essa uma meta de visualizações ao invés de dinheiro. Caso a meta seja atingida, uma nova meta maior que a anterior será estabelecida, e novamente terá que ser atingida no prazo de três dias. Esse ciclo de metas cada vez maiores irá se repetir até que o desafio se torne praticamente impossível de ser concluído, e vocês percam.


Outra semelhança com Lethal Company é a sua atmosfera sombria acompanhada de uma gameplay extremamente engraçada. Observar seus amigos fugindo aos berros de criaturas estranhas, para então eles serem eventualmente pegos, provoca crises de risos em qualquer um. Contudo, não podemos esquecer de que esse efeito é ligado ao design estilizado que esses jogos possuem. Caso as mortes fossem realistas e acompanhadas de sangue e vísceras, tais jogos não seriam tão engraçados. Inclusive, esse é um fato referenciado no título do jogo, sendo content warning, uma expressão de alerta para conteúdo sensível.


Voltando ao SpookTube, uma rede social que permite que seus influencers pratiquem atividades perigosas e ocasionalmente compartilhem fatalidades em sua plataforma, seria impensável no mundo real. Moldadas pelas vontades de anunciantes ou de governantes locais, as redes sociais montam um vasto conjunto de regras a fim de evitar problemas futuros.

Caso o SpookTube realmente existisse, ele seria alvo de duras críticas e logo seria proibido em diversos países do mundo. Apesar da empresa em si em momento algum obrigar os seus usuários a se arriscarem, o simples fato de permitir e monetizar tal conteúdo seria o suficiente para gerar revoltas pela internet. Não seria difícil imaginar que Content Warning foi concebido com a ideia de ser uma crítica à sociedade atual, expondo que o estado se impõe muito contra as redes sociais. Tal ideia não seria estranha, mas sem qualquer pronunciamento dos desenvolvedores, não passa de mera especulação. Contudo, será que essa possível crítica é mesmo certeira? Mesmo sendo uma plataforma de vídeos tão violenta, será que o SpookTube seria bem recebido no Ancapistão?

Segundo a ética libertaria, o SpookTube não estaria fazendo nada de errado, afinal, como já dito anteriormente, a plataforma não obriga ninguém a publicar nela. Nós libertários acreditamos que o corpo, tal como qualquer outra propriedade, pode ser usado pelo seu dono da forma que ele bem entender. Uma vez que o seu corpo é apenas seu, você é livre para arriscar sua saúde, apesar de fortemente não recomendado. Porém, mesmo que o SpookTube e seus vídeos sejam aceitos pela ética libertária, ainda abre o questionamento de como seria uma rede social tão livre quanto ele. Na verdade, neste vídeo iremos além, vamos imaginar como seria uma rede social cem porcento libertária.

Para esse pequeno exercício mental vamos batizar nossa rede de AncapTube. As regras do AncapTube seriam baseadas apenas na ética libertária, ignorando quaisquer outras regras estatais ou privadas que não esteja nela. Lembrando que a ética libertária é apenas uma base, regras adicionais são perfeitamente validas, desde que acordadas por ambas as partes e que respeitem o PNA (princípio de não-agressão), mas vamos ignorá-las para este exercício. De início, vamos logo tirar um incômodo elefante da sala, no AncapTube seria permitido o compartilhamento de pornografia. Gostando ou não, vídeos eróticos são bastante simples de serem produzidos, e possuem um grande público disposto a consumi-los. Podemos ter essa certeza devido aos exemplos da Twitch e do Onlyfans.


A Twitch originalmente era uma plataforma de streaming voltada para games, mas em determinado momento, surgiram diversas mulheres fazendo lives com roupas sensuais. Como elas davam um bom retorno à plataforma, criou-se a categoria “Pools, Hot Tubs, and Beaches”, em português “Piscinas, banheiras e praias”. A tentativa de manter suas minas de ouro pode ser questionável, mas não está errada do ponto de vista ético, apesar de algumas pessoas acharem isso imoral. Vale lembrar que apesar desse conteúdo existir na Twitch, essas lives não são maioria na plataforma, além de não possuírem nudez explícita por tal prática violar as normas da Twitch.


Quanto ao OnlyFans, tal plataforma originalmente foi concebida com o intuito de aproximar figuras famosas de seu público. Em troca de uma assinatura, você teria acesso a um conteúdo exclusivo de alguma pessoa, tal como funciona o “seja membro” do YouTube. Contudo, a plataforma foi dominada por material erótico de tal forma que caso eles fossem removidos, a empresa perderia uma enorme parte de sua receita. Em resumo, ao contrário da Twitch, o OnlyFans não atingiu o público que queria inicialmente, então não teve escolha a não ser abraçar as pessoas que começaram a frequentar essa rede social.


De volta ao nosso AncapTube, não dá para saber se esses vídeos seriam raros ou extremamente populares, tudo dependeria da vontade do público, mas é certeza que eles seriam permitidos. Contudo, será que o AncapTube teria tanta violência quanto o SpookTube? Violência contra pessoas pacíficas é a principal proibição da ética libertária, então esse conteúdo em específico seria removido. Em contrapartida, tal como no SpookTube você seria livre para pôr a si mesmo em perigo. Uma vez que monstros não existem na vida real, um análogo ao conteúdo do SpookTube seriam pessoas que provocam animais perigosos como ursos ou jacarés e publicam na internet.


Agora nós chegamos em um ponto que vai além de uma mera permissão da plataforma, existiria alguém corajoso, ou louco, ao ponto de se especializar nesse tipo de conteúdo? Na vida real já existem casos de pessoas que sacrificam sua própria integridade por fama. Um bom exemplo é o canadense Nikocado Avocado, que saiu de um ativista vegano para um glutão histérico. A mudança drástica de conteúdo lhe rendeu milhões de visualizações, bem como um ganho de quase cem quilos de peso e vários problemas de saúde. Outro exemplo seria um grupo de influencers de recife, que acabaram no hospital com severas queimaduras nos pés após um desafio de resistência em um balde de gelo.


Podemos passar horas citando exemplos de pessoas que tiveram problemas de saúde ou até mesmo perderam a vida por causa de visualizações, mas a verdade é que elas são menos comuns do que imaginamos. O chocante tende a chamar a nossa atenção de modo que, nós acabamos nos esquecendo de que o número de pessoas prudentes é bem maior. Tais casos podem ser tristes, e com certeza nunca deveriam ter acontecido, mas certamente são minoria. Sem falar que nós não estamos em um jogo, então pessoas inconsequentes até esse ponto simplesmente não iriam durar o bastante para serem reconhecidas em nossa plataforma.


Contudo, isso só diz respeito a um influenciador que se arrisca por conta própria, mas e se alguém pagasse outras pessoas para se arriscarem em seu lugar? Desde que seja acordado pelas duas partes em um contrato justo, o AncapTube permitiria que esse ancaptuber contratasse terceiros para os seus desafios perigosos. Porém, só porque um conteúdo seja permitido, não significa que ele seria popular. Temos que lembrar que nossa plataforma, assim como qualquer empresa privada, está sujeita a vontade do consumidor final. Seriam poucos dispostos a passar seu precioso tempo livre assistindo à cena bizarra de um criador de conteúdo covarde arriscando a vida de outra pessoa. Uma vez que o AncapTube também teria a intensão de manter o público pelo maior tempo possível, ele também teria um algoritmo semelhante ao do YouTube.


À medida que o grande público ignorasse esses vídeos, eles seriam ignorados pelo algoritmo que não daria destaque para um conteúdo que repele o público. Vale lembrar que existem no mundo pessoas com gostos bizarros tais como o público do SpookTube, mas eles são uma minoria. Mesmo que todos os sociopatas do país assistissem esses vídeos religiosamente todos os dias, não seria o bastante para gerar retorno a um conteúdo tão caro. Sem ninguém querendo atrelar seu nome a um conteúdo tão bizarro, eventualmente tais vídeos dariam prejuízo até que o seu criador simplesmente desista. O livre mercado pode ser um terreno fértil para a pornografia, que fácil de produzir e altamente consumida, mas seria pobre para violência, que é cara e altamente repudiada. Todo tipo de agressão contra inocentes é fortemente condenado pelos libertários e o agressor seria rapidamente punido.

O criador de Content Warning pode não ter pensado em todos esses detalhes ao criar o seu jogo, ou talvez a ideia de uma rede social tão bizarra tenha sido uma motivação a mais para montar o seu jogo. O SpookTube talvez nunca exista na vida real, mas se existisse, ele logo iria falir, ou permaneceria funcionando com um público muito pequeno.

Mesmo em um possível Ancapistão, as normas das redes sociais ainda existiriam e seriam moldadas pelas vontades dos patrocinadores, que por sua vez são moldados pelas vontades do consumidor final. Nenhuma empresa gostaria de anunciar em uma plataforma dominada por pornografia e violência, correndo o risco de ser mal vista e boicotada pelo grande público, perdendo oportunidades de lucro.

Referências:

https://tecnoblog.net/noticias/twitch-cria-categoria-para-streams-em-banheiras-e-350-novas-tags/

https://www.google.com/amp/s/canaltech.com.br/amp/redes-sociais/o-que-e-onlyfans/

https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/google/amp/saude/noticia/2022/07/24/com-foco-na-comilanca-desenfreada-videos-de-mukbang-viram-exemplo-de-disturbio-na-relacao-com-a-comida.ghtml

https://www.google.com/amp/s/www.terra.com.br/amp/vida-e-estilo/saude/influenciadores-tem-graves-queimaduras-nos-pes-apos-desafio-em-reality-show,2861a5ed0394975c06f232818d6c55a6qrkk5ziq.html