“Vocês são o motor essencial da riqueza e da prosperidade”. Acredite ou não, foi isso o que o Papa Francisco disse a empresários franceses.
O Papa Francisco, líder da Igreja Católica e personalidade religiosa mais famosa do mundo, é bastante conhecido por seus posicionamentos no mínimo questionáveis. E isso se aplica tanto aos aspectos teológicos de seus ensinamentos, quanto também à sua aplicação prática no mundo atual. Na verdade, muitos até consideram Francisco como o papa mais próximo da ideologia comunista de toda a história da Igreja.
Sua Santidade, com frequência, mantém um contato muito próximo e particular com figuras políticas latinoamericanas de tendência socialista. Entram nessa lista sua conterrânea Cristina Kirchner, além de Evo Morales e, principalmente, Lula e Dilma Rousseff. Aliás, o Papa já chegou a afirmar, inclusive, que Lula “foi condenado sem provas”, e que Dilma Rousseff “tem as mãos limpas”. Pois é: não dá pra saber exatamente o que o Santo Padre acredita serem “provas convincentes”.
Além disso, Francisco faz pronunciamentos duvidosos e constrangedores, como em sua recente visita a São Petersburgo, ocasião em que o pontífice exaltou a herança da “Grande Rússia”. Nesses casos, mais ou menos como acontece com o Joe Biden, o staff de Sua Santidade precisa limpar sua barra, afirmando que o papa foi mal-interpretado, ou qualquer coisa do tipo.
Contudo, em uma mensagem enviada recentemente a empresários franceses, reunidos em Longchamp, o Papa Francisco parece ter abandonado suas ideias vermelhas, se aproximando bastante da liberdade de mercado. Ou, melhor ainda, se aproximando do que ensina o próprio Magistério da Igreja. Vários trechos da mensagem do pontífice são tão próximos de algumas ideias libertárias que chegam a surpreender. Na verdade, o papa parece, pelo menos nesse momento, ser muito mais entendido de economia que os próprios economistas mainstream.
Por exemplo, Francisco fez a seguinte afirmação, bastante categórica: “Pouco se fala na mídia sobre as dificuldades e dores dos empresários”. Isso é uma grande verdade! Pense na realidade brasileira: a mídia sempre trata os empresários como demônios, enquanto endeusa políticos e dá espaço para sindicalistas. O verdadeiro gerador de renda e riqueza - a saber, o empreendedor - é sempre deixado de lado, quando não tratado como um bandido.
E o papa, inclusive, parece ter essa percepção. Veja que ele afirma que o empresário é “o motor essencial da riqueza e da prosperidade” de uma sociedade. Novamente, o Vigário de Cristo acerta em cheio! O estado e seus asseclas não geram valor para a sociedade; eles são apenas parasitas, que se apropriam do que é gerado pelo setor produtivo. O empreendedor, porém, é quem realmente faz a roda da economia girar, arriscando seu capital em busca de um legítimo lucro.
Para além dessa afirmação, Francisco também reforça a ideia de que a Igreja Católica “compreende o sofrimento do bom empresário”, e o acolhe, acompanha e agradece. Conforme pontua o pontífice, “desde o início, a Igreja acolheu também os comerciantes, precursores dos empresários modernos”. O papa vai além, e inclusive cita os Evangelhos, afirmando que o comércio e o dinheiro são temas recorrentes nos textos bíblicos. Há, por exemplo, parábolas de Jesus a respeito “de dracmas, de talentos, de proprietários de terras, administradores, pérolas preciosas”.
De forma mais específica, Francisco cita dois exemplos: primeiro, o pai do filho pródigo, cuja parábola encontramos no Evangelho de Lucas e que, conforme pontua o papa, devia ser um rico proprietário de terras. E segundo, o Bom Samaritano, que provavelmente era um comerciante, ou alguém que de outra forma tinha dinheiro suficiente para acudir o homem à beira da estrada.
Surpreendendo a muitos, o papa afirma também que o empresário participa do “bem comum”, criando empregos. Nas palavras do pontífice: “Cada novo emprego criado é uma riqueza partilhada, que não acaba nos bancos produzindo juros financeiros, mas que é investida para que novas pessoas possam trabalhar e viver a sua vida de forma mais digna”.
O papa afirma, ainda, que os empresários são também trabalhadores, e que São José é o modelo do “bom empresário”. Assim como os empresários se apaixonam pelo seu trabalho, Jesus e José eram apaixonados pelo seu ofício. Francisco, inclusive, chega a parafrasear o prólogo do Evangelho de João, para louvar o trabalho do empreendedor: “O Verbo se fez carpinteiro”.
Não dá pra negar que Francisco realmente surpreendeu (positivamente) com suas palavras. Fontes seguras afirmam, inclusive, que o próprio Logan, ao ouvir as afirmações de Sua Santidade, teria dito ao Prof. Xavier: “Charles, o mundo não é mais o mesmo”. Contudo, não devemos nos empolgar: provavelmente, isso é apenas um ponto fora da curva no caminho do papa argentino. Afinal de contas, inúmeros outros escritos seus apontam em outra direção. Ainda assim, esse acontecimento é tão interessante, que poderia deixar os bispos da CNBB de cabelo em pé, pedindo a excomunhão do papa por heresia.
O fato, porém, é que o posicionamento do Papa Francisco a respeito desse tema condiz com a posição tradicional da Igreja Católica a respeito das leis de mercado - embora muitos bispos e padres finjam não saber disso. Não é necessário ir aos padres escolásticos, que já davam um show em matéria de economia nos séculos 10 e 11. Podemos nos focar nos escritos de papas mais recentes, na história da Igreja.
São João Paulo II, que foi um ferrenho adversário do comunismo, sempre demonstrou um consistente posicionamento pró iniciativa privada. Em sua encíclica Centesimus Annus, por exemplo, o papa polonês chega a defender o lucro como uma saudável medida da atividade econômica. Segundo João Paulo II, quando uma empresa tem lucro, “isso significa que os fatores produtivos foram adequadamente usados e as correlativas necessidades humanas devidamente satisfeitas”. Essa é uma posição econômica bastante ortodoxa, que combina muito com os princípios da Escola Austríaca de Economia, mas que não seria bem aceita pelos economistas estatais de quase todos os países do Ocidente.
No que se refere à ação do estado, inclusive, João Paulo II, conhecedor da tragédia que é ser governado por um estado totalitário, sempre criticou o crescimento indiscriminado da máquina estatal. Isso é especialmente verdade em relação ao estado de bem-estar social, que esse papa classificou como “estado assitencial”. Segundo ele, o assistencialismo “provoca a perda de energias humanas e o aumento exagerado do setor estatal, dominado mais por lógicas burocráticas do que pela preocupação em servir os usuários, com um acréscimo enorme das despesas”. Parece uma descrição do Brasil atual, não é mesmo?
João Paulo II também é firme em sua defesa da liberdade de mercado como forma de desenvolver economicamente uma sociedade. Segundo o que ele escreveu, novamente em sua encíclica Centesimus Annus: “o livre mercado parece ser o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e corresponder eficazmente às necessidades”. É justamente isso o que nós, libertários, defendemos: quando o mercado é deixado livre para agir, as necessidades humanas são melhor atendidas, da forma mais eficiente possível. O que o estado faz é, apenas, atrapalhar esse processo absolutamente natural e orgânico.
Não apenas o santo polonês defendeu sólidas ideias econômicas. Também a Doutrina Social da Igreja, um compilado de documentos católicos que abordam o tema da economia e da sociedade, faz uma consistente defesa do livre mercado. De acordo com essa Doutrina, o livre mercado é capaz de “moderar os excessos de lucros; responder às exigências dos consumidores; realizar uma melhor utilização e economia dos recursos; premiar os esforços empresariais; fazer circular a informação econômica”. Poucos economistas que têm hoje espaço na grande mídia seriam capazes de dar uma definição mais precisa das vantagens do livre mercado.
Enfim, as recentes falas de Francisco são surpreendentes, se levarmos em conta seu histórico. Contudo, elas são bastante coerentes, se levarmos em conta o Magistério da Igreja Católica. Qualquer empolgação nesse sentido, porém, não deve prosperar: o papa argentino deve continuar seguindo sua linha tradicional mesmo. Afinal de contas, Francisco afirmou estar escrevendo a segunda parte de sua encíclica Laudato Si’, que trata de questões ambientais. É isso aí: podemos aguardar mais um longo texto repleto de “teologia ecológica” nos próximos meses.
De qualquer forma, é curioso ver como mesmo um líder religioso é capaz de, ainda que de vez em quando, ter visões econômicas mais ortodoxas que ministros da Fazenda e que economistas de grandes veículos de comunicação. Nestes tempos de constantes mentiras econômicas, propagadas como se fossem ortodoxia, é revigorante ouvir o próprio papa seguir uma direção contrária a essa maré. Ainda que, no fim das contas, isso seja apenas um acidente de percurso.
https://www.acidigital.com/noticia/56037/voces-sao-o-motor-essencial-da-riqueza-e-da-prosperidade-diz-o-papa-francisco-a-empresarios
https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_01051991_centesimus-annus.html
https://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html#A%20empresa%20e%20seus%20fins