Como já era de se esperar, o mais novo filme da Disney é um misto de lacração, desconstrução de personagens clássicos e muita forçação de barra.
O filme “Mufasa: O Rei Leão”, a prequela do live-action lançado em 2019, chegou às telonas no final de dezembro, com o nada modesto objetivo de manter o padrão de faturamento do remake do clássico de 1994. Contudo, a toda-poderosa Disney já baixou bastante as suas expectativas. “Mufasa” estreou de forma decepcionante, arrecadando meros US$ 35 milhões - uma mixaria, se comparado aos quase US$ 200 milhões arrecadados pelo Rei Leão de 2019, em sua primeira semana de exibição.
É certo que, mais ou menos como aconteceu com o filme “Elementos”, “Mufasa” deve se recuperar. Na verdade, a recuperação já está acontecendo e, atualmente, o filme já ultrapassou a marca dos US$ 300 milhões, mundialmente. Mas esse não é o ponto - nem a forma correta de ver a coisa. Apenas para termos uma noção do fracasso: o novo filme da Disney está lutando para ficar à frente de Sonic 3 - uma peça de uma trilogia que nem de longe carrega consigo toda a bagagem que o clássico da Disney de 1994 possui.
O filme do ouriço velocista já ultrapassou a marca dos US$ 200 milhões no mundo todo, e a bilheteria total deve superar os 2 primeiros filmes de sua saga. Sim, esse valor é consideravelmente menor do que o que foi arrecadado por “Mufasa”. Só que os custos de ambos os filmes são muito diferentes. Enquanto a prequela de O Rei Leão custou pelo menos US$ 300 milhões, entre produção e divulgação, Sonic custou menos da metade desse total - US$ 122 milhões. Ou seja, Sonic provavelmente vai atingir uma margem de lucro muito maior - e é isso o que realmente importa.
Além disso, o filme da Disney, contando com o lobby da empresa do Mickey, conseguiu distribuição em 300 cinemas a mais que o filme do Sonic. Mufasa também foi exibido em 400 cinemas IMAX, que possuem ingressos mais caros, enquanto que Sonic ficou de fora dessas salas. Olhando por esse prisma, a diferença na arrecadação não parece uma vitória esmagadora da Dona Valdisney. De qualquer forma, é bem provável que, embora não chegue à marca de US$ 1 bilhão, “Mufasa” não seja um fracasso - apenas uma decepção. Provavelmente, o filme vai render bons lucros para a Disney, e dar uma sobrevida ao universo de Simba e sua turma.
Porém, o fato é que o filme, em si, é uma grande ofensa - ao público, à crítica e, especialmente, ao universo do Rei Leão. Vamos aproveitar o embalo, então, para citar alguns problemas relacionados a essa obra que, sob todos os aspectos, está eivada de lacração.
Em primeiro lugar: você sabe quem dirigiu esse filme? Não foi nenhum diretor consagrado no ramo das animações, ou algo do gênero. Muito pelo contrário. Na verdade, a Disney escolheu como diretor ninguém menos que Barry Jenkins, realizador mundialmente famoso pelo premiado, mas entediante, Moonlight. Você não se lembra desse filme? Eu não te julgo. Mas, para relembrar: é aquele filme que fala sobre um traficante negro gay - tudo de acordo com a agenda, como se percebe - e que só é lembrado por causa do rolo na premiação de melhor filme no Oscar de 2017. Pois é: é esse cara que escolheram para dirigir “Mufasa”. Vai vendo.
Mas o grande problema está, de fato, no roteiro dessa joça. E, a partir daqui, vamos dar spoilers - muitos spoilers. Mas, de amigo para amigo: você não vai se arrepender de ficar sabendo de detalhes sobre esse filme de qualidade e objetivo mais do que questionáveis. Aviso dado, vamos em frente.
Se liga no plot do filme: o primeiro ponto de atenção é que Mufasa, pai do Simba, não é o filho legítimo do antigo rei. Pois é! Sabe aquele papo de ancestralidade e pertencimento a uma dinastia, presente na obra original, e também no remake de 2019? Pois esqueça isso: Mufasa, na verdade, é filho adotivo, e não nasceu em Pride Rock. Toda aquela história de “ciclo da vida”, então, vai para o saco a partir daí. O nome disso, senhores, é continuidade retroativa - ou retcon, para os mais íntimos.
Só que a coisa desanda ainda mais. Enquanto que Mufasa é um leão órfão aceito em uma alcateia real, Scar é, na verdade, o filho legítimo do rei. Aliás, Scar não é Scar - pelo menos, por enquanto. O seu nome real é Taka - pois é, Taka. O rei, pai de Taka, aceita Mufasa em sua alcateia, mas o obriga a ser criado pelas fêmeas do bando, para evitar que ele se misture com o grupo real dos leões. Já Taka, futuro Scar, é criado entre os machos. Quanta sutileza, não é mesmo? O futuro vilão foi criado entre os homens, enquanto que o leal e corajoso Mufasa foi criado pelas mulheres. Maravilha de lacração!
Seguindo com o plot: as coisas iam até bem, até que alguns eventos fazem com que o bando dos leões do elenco principal passe a enfrentar uma alcateia chamada de "Forasteiros" que são - se liga nessa! - leões brancos. Sim, os vilões do filme são brancos! Em um incidente, Mufasa acaba por matar o filho de Kiros, o chefe dos Forasteiros. Kiros, então, decide buscar vingança contra Mufasa e seu bando. Nesse momento, os pais de Taka o enviam em fuga, junto de Mufasa, para Milele - um lugar em que a natureza vivia em pequena harmonia, coisa que a Greta Thunberg escreveria em um roteiro, sem dúvidas. Esse é o lugar onde o filme original se passa, por sinal.
Os dois jovens leões fogem, enquanto que sua alcateia é dizimada pelos Forasteiros. Depois de idas e vindas, um interesse amoroso, envolvendo certa leoa, coloca os dois irmãos em conflito. Taka, com ciúmes de Mufasa, decide entregá-lo para Kiros. Quando o elenco principal finalmente chega a Milele, o bando dos leões caucasianos também chega para tocar o terror. Mufasa, então, faz um discurso motivacional de união de todos os bichos contra os leões europeus... digo, brancos. Os bichos se unem e conseguem vencer os invasores brancos colonizadores imperialistas.
Resta apenas Kiros, que parte para um mano a mano contra Mufasa. Porém, quando o leão branco supremo iria desferir um golpe fatal no futuro pai de Simba, Taka entra na frente e recebe o golpe, que lhe deixa com uma cicatriz no rosto. Sim, foi assim que a famosa cicatriz foi criada. Juntos, os irmãos derrotam Kiros e Mufasa é proclamado o rei de Milele por todos os bichos. Pois é: sabe toda aquela conversa de dinastia, e de que um legítimo rei poderia conversar com seus antepassados por entre as estrelas? Ao que tudo indica, tudo isso foi inventado por Mufasa, porque ele mesmo não é ancestral de coisa nenhuma nessa história.
Só que, ao final, Mufasa não aceita o pedido de perdão de seu irmão. Pior ainda: ele pune Taka, o obrigando a viver nos cantos de Milele, e o proibindo de usar seu nome. Assim, Taka escolhe o nome Scar, pelo qual se tornaria conhecido no futuro. Exatamente: Scar é um leão arrependido que foi maltratado por seu irmão adotivo, relegado à marginalidade - quase como se Mufasa fosse o culpado pelo que aconteceria com ele no futuro. É como se o filme quisesse passar pano para a maldade de Scar no filme original - e como se ter seu nome trocado fosse motivo suficiente para tramar a morte de seu irmão e de seu sobrinho.
E quer saber o que é pior nessa história? A clássica frase do filme original, a respeito de que o reino dos leões compreende tudo o que a luz toca, é, na verdade, uma criação de Kiros! Sim, Mufasa aprendeu essa frase com o leão branco malvadão, e depois a ensinou para o seu filho. Que legal, não é mesmo? E se você quer saber porque Simba foi aclamado o legítimo rei, se Mufasa, na verdade, havia sido eleito - problema seu, o filme não lhe deve explicação!
Como se vê, “Mufasa: O Rei Leão” é um verdadeiro show de retcons e de empobrecimento da narrativa original. A essa altura do campeonato, todo mundo sabe que “O Rei Leão” é claramente inspirado na peça “Hamlet”, de William Shakespeare. É simples de entender: uma dinastia de leões, na qual o irmão do rei, ressentido por não ser o primeiro na linha de sucessão, trama para tirar a vida do atual rei e de seu herdeiro aparente. Esqueça, nada disso existiu, de acordo com a nova obra da Disney: nem mesmo Pride Rock tem algo de ancestral! A mítica pedra, onde os futuros reis são apresentados aos seus súditos, na verdade, foi criada pelo macaco Rafiki!
E Mufasa, concebido na obra original como sendo o arquétipo do rei valente e destemido, um líder respeitado por seus súditos, foi simplesmente destruído, na obra que traz o seu nome. Pois é exatamente isso que o progressismo faz: não satisfeito em nada criar, essa ideologia nefasta também parte para a destruição do que já foi estabelecido.
De forma geral, remakes e continuações têm servido apenas ao propósito de desconstruir paradigmas e canibalizar o sucesso do passado - só que de forma muito pior. E, quando essas tentativas não são suficientes, os lacradores partem para as prequelas, para recontar as histórias sob um novo prisma - mais lacrador e, claro, muito mais desinteressante. Assim é a prequela de “O Rei Leão”: não tem músicas marcantes, personagens cativantes, e não vai gravar seu nome na cultura pop. É apenas agenda pela agenda, tentando doutrinar todos na cartilha progressista. Coitada das crianças que irão engolir essa narrativa!
Acontece que o público, ao que tudo indica, já está de saco cheio dessa forçação de barra, tanto é que a cultura woke está em crise. E o resultado disso são bilheterias que desapontam. Volto a dizer: Mufasa não vai ter prejuízo. Mas, provavelmente, vai ficar aquém do resultado apresentado pelo live-action de O Rei Leão. Esse é o primeiro estágio da falência de uma fórmula: a marca é espremida, enquanto ela ainda pode dar caldo. Mas, como nada de novo é criado, a tendência é que o seu valor apenas vá se depreciando. Veja o caso de outros universos administrados pela Disney - como Star Wars e o Universo Marvel, - e você perceberá que é exatamente isso o que está acontecendo.
No fim das contas, com ou sem lacração, quem manda nesse mercado - e em todos os outros - é o consumidor. Na brutal concorrência da indústria cinematográfica, o consumidor é o Rei - e tanto faz, nesse sentido, se a Lacrolândia gosta ou não dessa verdade econômica. “Mufasa” pode ainda ter despertado a curiosidade do seu público, mas não parece ter conquistado corações. Se essa tendência se mantiver, em breve, os filmes ultra-lacradores da Disney não serão vistos por mais ninguém.
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https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/12/23/sonic-3-estreia-bem-e-desafia-mufasa-nas-bilheteiras-nos-eua.ghtml
https://recreio.com.br/noticias/entretenimento/mufasa-o-rei-leao-como-taka-virou-scar.phtml