A lápide dos Revolucionários

Sem propósito não existe heroísmo... Mas Precisamos de heróis?

Comecemos este artigo com o seguinte trecho: “Estava até pouco tempo atrás no conforto da sua aldeia. Ainda conseguia recordar com muita clareza daquele dia chuvoso e feições tristes de seus irmãos, quando decidiu partir para buscar a relíquia que havia pertencido ao seu povo por tantas gerações. Não sabia exatamente como aquele velho mago havia conseguido persuadi-lo para levar adiante essa tarefa suicida. Agora estava ali, de pé, segurando a espada mais pesada que já houvera empunhado na vida, prestes a ser atacado por um troll. Tudo o que o seu coração desejava era um pouco da sopa quente da sua tia e uma fogueira para contar tudo o que viveu nessas semanas que se passaram...”

Esse herói jamais existiu. Na verdade, ele é um conceito que acabou e ser criado apenas para os propósitos desse artigo. Ele deixará de existir quando a última frase for escrita, e a sua atenção é o que separa esse herói do esquecimento. Agora pense em Luke Skywalker, Frodo, Peter Parker, Conan, Perseu, Aquiles, Hercules...
Na obra “O herói de mil faces”, o escritor Joseph Campbell descreve o que ficou conhecido como “A jornada do herói”. Trata-se do percurso padrão da aventura mitológica de todo herói. O “monomito”, ou seja, o mito único, ou o caminho padrão dos mitos, se subdivide em etapas. Ora cumpridas à risca, ora nem tanto, demonstram como a esmagadora maioria das histórias contadas seguem o mesmo padrão. Essas etapas são: o mundo comum; o chamado da aventura; a recusa do chamado; encontro como mentor; cruzamento do primeiro portal; provações, aliados e inimigos; aproximação; provação difícil; recompensa; o caminho de volta; ressurreição do herói; retorno como elixir. Cada etapa pode variar um pouco, mas a essência da estrutura da jornada permanece.
A jornada do herói é também a representação da jornada de todos nós. É encontrar-se no mundo e percebê-lo como ele é: inóspito e duro. Daí advém a necessidade de tornar-se uma versão melhor de si mesmo: mais madura, mais capaz, inventiva e autônoma. E a ninguém serve isso tudo senão a si mesmo. A ninguém mais interessa sua autodeterminação, sua liberdade, sua disciplina, sua maturidade como indivíduo.
A jornada do herói é a trajetória de um ímpeto humano representado. É a forma como o ser hesita até certo ponto em enfrentar as adversidades de um desafio que se interpôs entre ele e um objetivo humano muitas vezes transcendente, capaz de elevá-lo após a experiência.

Porém, nossa juventude está em coma. Afundada na areia movediça do sistema, o jovem acaba cedendo seu tempo, sua liberdade, seu ímpeto; ela deixa de criar, empreender e desenvolver sua própria jornada; de ser o herói da própria existência. Parte disso, talvez porque ele nunca conheceu os efeitos diretos, nefastos e violentos de estados quando estes detêm o monopólio sobre sua vida. São como crianças que nunca caíram e estão experimentando engatinhar no conforto do sofá; mas o chão duro e frio está ali, aguardando o momento da queda.
Matéria do portal Terra, de junho de 2023: “Aproximadamente dez milhões de jovens entre 15 e 29 anos não trabalham nem estudam”. Folha e são Paulo, janeiro de 2024: “A ideia de nunca desistir é fascista, diz psicanalista” G1, 2020. “'Geração digital': por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos pais”. BBC brasil. Abre aspas. “Adolescência agora vai até os 24 anos de idade, e não só até os 19, defendem cientistas”.
Prolongar a adolescência é, de certa maneia, prolongar a infância; é estender a dependência e tolerar exageradamente a imaturidade diante da vida. Talvez o ponto fulcral seja exatamente este: a dependência. Na medida em que se depende de algo ou alguém, ou alguma estrutura de poder, presta-se a isto importância, que deixa de existir na mesma medida em que o indivíduo se torna independente. É uma relação diretamente proporcional.

Segundo Joseph Campbell, o herói moderno, o indivíduo moderno que tem a coragem de atender ao chamado e empreender a busca da morada dessa presença, com a qual todo o nosso destino deve ser sintonizado, não pode e, na verdade, não deve esperar que sua comunidade rejeite a degradação gerada pelo orgulho, pelo medo, pela avareza racionalizada e pela incompreensão santificada (...) Não é a sociedade que deve orientar e salvar o herói criativo; o que deve ocorrer é precisamente o contrário. O sentido do herói de hoje está em si mesmo e na busca pela própria “Atlântida perdida”
Quase que profetizando, na última página da obra ele diz:
“Evidentemente, esse trabalho não pode ser realizado negando-se ou descartando-se aquilo que tem sido alcançado pela revolução moderna; pois o problema não é senão o de tornar o mundo moderno espiritualmente significativo, ou (enunciando esse mesmo princípio de forma inversa) o de possibilitar que homens e mulheres alcancem a plena maturidade humana por intermédio das condições da vida contemporânea”.

Se o jovem não assume uma postura heróica diante da própria história, formam-se adultos mancos, imaturos e amputados. Matar o herói na alma da juventude de um país é condenar seu futuro. É sufocar o ímpeto contra o opressor; contribuir para uma situação onde todos são medíocres e passivos.
Segundo Andrew Lobaczewski, tempos fáceis fornecem um solo fértil para a tragédia futura, justamente por causa da degeneração dos valores morais, intelectuais e da personalidade, dando origem a eras difíceis.
O mundo é o resultado do embate de forças que buscam pela própria primazia e espaço; e, no meio disso, nós, pessoas comuns. Numa olhada rápida por cima do muro, conseguimos enxergar os mecanismos pelos quais essas forças operam, através de similaridades e pontos de tangência entre eles. Os aspirantes a governadores do mundo compreenderam que a equação com a qual os fenômenos sociais operam é muito complexa. Nesse turbilhão de influências mútuas, o insistente desejo de controle jamais morrerá, e para isso precisam embotar o ímpeto; no entanto, por ser necessariamente difícil fazer isso, castram-nos aos poucos, tornando-nos vazios, sem sentido e sem propósito...

É como se estivessem destruindo, de dentro pra fora, tudo o que havia nos tornado fortes. Irmandade destruída pela ausência de confiança; respeito destruído pela relativização dos papéis; disciplina destruída pela abundância de prazeres, que vão da ponta da língua à sola confortável do sapato. Mas tivemos uma grande parcela de culpa nisso tudo. Nós nos deixamos manipular esse tempo todo, e de forma dúbia: fomos tanto o sapo sendo cozido aos poucos, morrendo na panela, como o gado sendo acariciado, recebendo sua preciosa ração, para que sua carne não esteja dura e estressada na hora de ser mastigada.

George Orwell, em seu 1984, escreve que, se lazer e segurança fossem desfrutados por todos, igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e, depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela. A longo termo, uma sociedade hierárquica só era possível num mundo de pobreza e ignorância.
Os objetivos permanecem os mesmos, apenas as estratégias de controle se tornam mais elaboradas, ao passo que a sociedade se transforma. O único propósito da existência dos Leviatãs é a busca desenfreada por mais controle.

Como sair desse ciclo que se retroalimenta?

Os professores Zeno Franco e Philip Zimbardo escrevem que a decisão de agir heroicamente é uma escolha que muitos de nós seremos chamados a fazer em algum momento. Ao conceber o heroísmo como um atributo universal da natureza humana, não como uma característica rara dos poucos 'eleitos heróicos', o heroísmo se torna algo que parece estar ao alcance das possibilidades de cada pessoa, talvez inspirando mais de nós a responder a esse chamado.
Assumir a responsabilidade pela própria liberdade implica sair da zona de conforto. Diversos trabalhos têm se debruçado sobre a urgente necessidade de investir no autodesenvolvimento e na criação de resiliência, como o da doutora Anna Lembke, chamado “Nação dopamina: Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes, e o que podemos fazer para mudar”.
O desafio do herói da modernidade é o de encontrar a si mesmo em um mundo de constantes mudanças. Há forças de influência que querem nos tornar uma massa amorfa e obediente; e, para isso, dada a dificuldade de se incorporar quem se destaca e se esforça, eles optam por equalizar todos por baixo, nivelando todos na mediocridade, na pobreza e na obediência. Matar o heroísmo em cada um é matar seu ímpeto. Quantos talentos estão neste exato momento sendo inexplorados?

O paradoxo da liberdade reside na necessidade de tutelar sua própria jornada.

Como disse Benjamin Franklin, aqueles que abrem mão de sua liberdade por segurança temporária acabam sem nenhum dos dois. Urge a necessidade de romper a carapaça de um estado paternalista que impõe o que é melhor, uma estrutura de programação para tornar todos os pagadores de impostos cegos e surdos em cumpridores de ordens. Eis o homem escravo do século XXI: moldado a ferro, fogo, suor e sangue. Forte o bastante para trabalhar e produzir riqueza, mas fraco demais para questionar e se levantar contra o sistema que ele próprio sustenta.
A ideia de liberdade é como uma semente espalhada pelo vento caindo em solo fértil. A mente daquele que conhece a liberdade, jamais retorna ao estado anterior. Esse é nosso objetivo e nossa vontade, espalhar essa semente que insiste em germinar e em resistir.

Referências:

https://www.terra.com.br/noticias/educacao/geracao-nem-nem-um-a-cada-cinco-jovens-nao-estuda-e-nem-trabalha-no-brasil,236625389662efe4fa7f2d8967a3d1291n9og95g.html


https://blogfca.pucminas.br/colab/conheca-historias-do-empreendedorismo-jovem-no-brasil/